Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Relatos da Sessão 5 - 15/9/2010

Relato da Sessão 5 - Tema: Marcuse e Habermas 

Por Ney Jansen e Wesley Kuhn

Parte I - Marcuse

A aula iniciou com uma breve síntese da biografia de Marcuse. O autor foi membro do SPD (Partido Social Democrata Alemão) em 1917-1918 e defendeu sua tese em 1922 sobre Romance e Arte na Alemanha. Seus estudos versaram sobre Filosofia e Sociologia e suas análises não se focaram apenas na questão tecnológica, mas, de maneira geral, abrangeram a sociedade como um todo. Sua participação na “Escola de Frankfurt” e as principais influências, de Heidegger, de Weber e principalmente de Marx, em sua obra, também foram lembradas. O autor foi um dos primeiros a analisar os “Manuscritos Econômicos-Filosóficos” de Marx, obra que era desconhecida até 1932. Um colega lembrou que o conceito de sociedade unidimensional é inspirado nos conceitos de homem alienado/unilateral versus homem genérico-social-omnilateral presentes nos Manuscritos de Marx. Após a instauração do nazismo, Marcuse, como boa parte dos membros da Escola de Frankfurt, deixa a Alemanha rumo aos EUA. Lá leciona em universidades como Columbia, Harvard e Califórnia. Outro tópico relevante citado pelos colegas foi a existência do site, organizado por sua família, que organiza as informações sobre o seu legado: www.marcuse.org. Suas pesquisas influenciaram uma geração, tendo sido figura importante na formação do pensamento de Angela Davis, destacada ativista americana, e dos Panteras Negras.

No debate do texto em questão, foi dito que Marcuse pretendeu fazer o caminho inverso de Marx, ou seja, ir da Economia Política à Filosofia. Nesse sentido, Marcuse parece querer voltar ao diálogo em relação às concepções iluministas e apontar para possibilidades de emancipação. No entanto, em determinado momento do debate, foi lembrado que essa visão iluminista de emancipação da sociedade através da razão foi se transformando em uma razão ideológica, que não se realizou e se tornou justificativa para a dominação.

Marcuse vê a sociedade da época como uma “sociedade unidimensional”: com o aprofundamento da sociedade tecnológica, teria aumentado as possibilidades de consumo para todos e se criado uma impossibilidade da crítica. A técnica/racionalidade tecnológica teria nos envolvido. Mesmo assim, foi salientado que de maneira alguma ele acreditava que se estava em uma “jaula de ferro”, em termos weberianos, ou mesmo num estado totalitário; apesar de fazer uma análise que se pode considerar pessimista, ele parece acreditar no potencial do homem para transformar a sociedade, já que termina seu livro citando uma frase de Benjamim que afirma que “somente em nome dos desesperançados nos é dada esperança”. Parece ficar evidente, no texto, que o autor vê a esperança nos excluídos dessa sociedade.
Para Marcuse, a tecnologia parece ter sido utilizada como mecanismo de coerção e de coesão na sociedade unidimensional. A partir dela, surgem necessidades falsas que atuam como uma ferramenta de controle. Daí o fato de Marcuse apontar a dificuldade – mas não a impossibilidade – de transformação. Foi citado que para Marcuse a “verdadeira” necessidade só pode ser decidida por um sujeito livre, emancipado. O debate se acirrou nesse ponto, opondo duas visões na sala: a dos que achavam que as necessidades humanas são “indeterminadas” e a dos que, de certa forma, acreditavam que há necessidades humanas básicas, delimitadas.

Esquematicamente, foram ainda discutidas na sala as seguintes questões: 1) haveria um determinismo tecnológico em Marcuse? 2) haveria um positivismo em Marcuse? 3) é possível mensurar as necessidades? 4) qual o papel da mídia na formulação de um “consenso”? 5) a tecnologia pode ser analisada sem a dimensão do conflito capital versus trabalho? 6) a crítica deveria estar na produção ou no consumo? Ou em ambos? 7) se a tecnologia seria “algo constitutivo” haveria saída? 8) qual seria a essência (boa ou má) da técnica? Ou existem diferentes técnicas? 9) o que significa a necessidade de se “abrir a caixa preta da técnica” 10) uma análise formal da técnica subestimaria a capacidade de ação/transformação humana?

Foi ainda abordada a influencia na mídia em toda a sociedade – temática desenvolvida pela Escola de Frankfurt – ponto hoje ainda discutido, incluindo o papel da Internet e de redes sociais e dos oligopólios transnacionais. Defendeu-se a necessidade de se pensar o papel da mídia e o fato de que as pessoas interpretam as informações com seu potencial lingüístico e simbólico, e não de forma mecânica. Isso levou à complexa questão da emancipação. “Levar pela mão” seria a etimologia da palavra “emancipação. Discutiu-se o que é ser crítico hoje. Quem seria o portador da crítica? Em Marx, era a classe operária. Para Marcuse, a transformação seria de base coletiva. E hoje? Foi lembrado pela professora o texto de Lash, no livro “Modernização Reflexiva”, onde o autor defende que ser crítico hoje é ser reflexivo, entendendo-se o conceito de “reflexividade” como a capacidade dos indivíduos, a partir de suas informações, reverem suas posições iniciais. A professora destacou, no caso, a importância da linguagem, da comunicação.

Discutiu-se, em seguida, a questão da “volta à natureza”, que foi a “resposta” do movimento hippie, da contracultura, à sociedade do consumo. Lembrou-se que o ecologismo tem um potencial de crítica ao progresso tecnológico. Foi destacado que o ecologismo hoje seria mais “racional” que o movimento hippie/contra-cultura, pois discute a necessidade de “controle social” da técnica. Outro autor, Lacey, propunha uma “nova ciência” que não fosse controladora, mas uma “ciência qualitativa”, pautada na necessidade de se pensar um outro projeto. Lembrou-se, nesse ponto, que de certa forma toda a utopia seria totalitária.

A visão de Marcuse traz a idéia de que a ciência está impregnada de valores. Tanto Marcuse quando Feinberg colocam a questão: afinal, como discutir os valores da tecnologia? Para esses autores, a racionalidade é maior que a tecnologia. Por isso, deve-se discutir os valores dessa racionalidade. Neste ponto emergiram novas questões: 1) como conciliar um planejamento forte com as necessidades do indivíduo? 2) estaria em Marcuse uma idéia de uma outra técnica? 3) existiria uma tecnologia para ricos e uma para pobres (a chamada tecnologia alternativa)? 4) a dominação é irreversível?

A professora lembrou que “o que estava no ar” na época – anos 60 – era que havia uma crise na sociedade, fator que explica a enorme aceitação das idéias de Marcuse; destacou o contexto do “maio de 68” na França e o fato dos operários não terem se aliado às manifestações estudantis. Citou ainda um autor, chamado R. Linhart, que descreve a opção feita então por alguns estudantes franceses, que visando entender esse não alinhamento deixaram as universidades e foram trabalhar em fábricas, onde se depararam com uma “realidade” inesperada: o desejo de consumo, as disputas na produção por cota, a divisão entre os operários. Outro livro de Linhart, “Lênin e os camponeses” descreve a admiração de Lênin pelo taylorismo.

Por fim, lembrou-se que uma lacuna de Marcuse estaria no frágil desenvolvimento do conceito de Estado e das condições “políticas” da liberdade.

Parte II - Habermas

Iniciou-se a discussão lembrando-se que para Habermas a racionalização libertou a sociedade das relações tradicionais. Porém, Habermas afirma que a “libertação da humanidade pela razão” tornou-se ideologia. Destacou-se a importância que Habermas deu para a “ideologia da técnica”. Em paralelo, destacou-se a contribuição de Foucault sobre o controle do indivíduo na sociedade.

Qual seria a diferença entre Marcuse e Habermas? Uma diferença estaria numa “razão comunicativa” como contraponto a uma razão instrumental, ou “razão vital versus razão instrumental”. Destacou-se também que Habermas não era e não é marxista. Habermas pensa em “transformação” e não em “revolução”. A partir dessa reflexão de Habermas sobre a razão comunicativa lembrou-se que com uma mídia mais “democrática” os indivíduos teriam mais possibilidade de escolha.

O papel da “lealdade das massas” à racionalidade tecnológica foi então abordado. Levantou-se a questão: Habermas seria determinista tecnológico? O autor afirma que o desenvolvimento das forças produtivas não levaria à emancipação. Nesse sentido, Habermas destaca que o eixo da crítica não estaria mais nos “processos produtivos”, mas nos “processos comunicativos”. Discutiu-se a importância da “naturalização das relações” e o fato da tecnologia criar novas necessidades e como as necessidades se transformam. Ex: a partir de uma maior circulação de pessoas. Foi lembrado que isso já estava no “Manifesto Comunista” de Marx. Voltou-se à discussão (e divisão da sala) sobre o que seriam necessidades. Um aluno abordou a transição do capitalismo produtivo para o capitalismo financeiro e a naturalização das relações com o perigo de se considerar as conseqüências sociais da “globalização” como algo natural, inevitável.

Por fim, discutindo-se o tema da racionalização, a professora lembrou os quatro tipos de ação de Weber: racional – em relação a fins e a valores; tradicional e afetiva. Como Weber destaca, a ação afetiva no plano político envolve o “carisma”, o que remete, portanto, à “linguagem”. Um aluno lembrou que, se pensarmos com Weber, o contraponto à racionalidade instrumental estaria na liderança carismática. Encerraram-se os debates em função do tempo. Fim da aula.

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