Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Relato da Sessão 13 - 17/11/10

Relato da sessão 13 – A política nacional de ciência e tecnologia e a "colonialidade do saber"

Por Douglas Henrique da Silva

1) Inicialmente foi feito um breve histórico das políticas de Ciência e Tecnologia no Brasil.

Em um primeiro momento, pode-se dizer que as políticas públicas de C&T no Brasil iniciam-se com a vinda da família real portuguesa, fixada no Rio de Janeiro durante o começo do séc. XIX, através da abertura dos portos, da implantação de uma fábrica de pólvora e da criação do Jardim Botânico, com a finalidade de aclimatar as especiarias como noz-moscada, canela e pimenta-do-reino.

Um segundo período das políticas de C&T no Brasil se dá com as políticas de “modernização” das cidades (Rio de Janeiro, Florianópolis), baseadas no modelo de grandes “boulevards” franceses e ligadas às reformas sanitárias. Um ótimo exemplo destas políticas, que foi citado em sala de aula, é a famigerada “revolta da vacina”, em finais de 1904, onde ocorreram diversos conflitos entre a população e o governo devido à obrigatoriedade de vacinação contra a varíola, complementada com a derrubada forçada de diversas casas em áreas de “risco” sanitário.

Em 1916, funda-se a Sociedade de Ciência Brasileira, atual Academia Brasileira de Ciências, e o Museu Nacional, em 1918. Durante as décadas seguintes serão criadas as principais universidades do país, culminando com a fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [SBPC], em 1948, e do Conselho Nacional de Pesquisa [CNPq], em 1951, pelo almirante do exército Alvaro Alberto.

Cabe também destacar que durante a ditadura militar, as políticas de C&T serão impulsionadas sob a égide do "desenvolvimento nacional", ou do “Brasil Grande Potência”, o que vai gerar os grandes complexos industriais existentes hoje, principalmente na região Sudeste.

2) Em seguida foi discutido o conteúdo geral do chamado "Livro Azul".

Produzido na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável do País [CNCTI], 2010, o "Livro Azul" é um documento com recomendações sobre Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para a próxima década, propostas na CNCTI e que foi colocado para consulta pública pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.

O livro é organizado em 3 grandes partes, qual sejam: introdução e apresentação; estágio atual da C,T&I e oportunidades para o Brasil; grandes desafios e a agenda para C,T&I. Devido ter sido redigido em uma linguagem técnica e oficial, foi apontado em sala seu caráter normativo apesar de não possuir valor de lei.

Outro ponto discutido foi a falta de indicações sobre formas de governança pública da C,T&I, assim como as formas de implementação das recomendações, ou seja: como transformar estas recomendações em planos, programas e ações planificadas?

De acordo com o documento, as principais tecnologias estratégicas para o Brasil durante a próxima decada são: bioenergia, informática e comunicações, saúde, pré-sal, defesa e as tecnologias do futuro [nanotecno e biotecnologia].

3) Na seqüência, foi discutido um texto sobre grupos de pesquisa em C&T.

A partir do artigo de Araujo [2009] pudemos perceber que, a partir da década de 70, vai sendo produzido - inicialmente na Europa e EUA - um novo "campo conhecido como Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, Estudos da Ciência e da Tecnologia ou mesmo Estudos em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)". Este campo vai destacar a ciência "se fazendo", como o resultado de um processo social, "inseridos na estrutura social como as demais ações humanas, estando sujeita aos interesses, conflitos e contradições comuns a qualquer atividade social." Deste campo, o autor busca descreve sua pesquisa sobre os grupos existentes no Brasil a partir do Censo 2006 do Diretorio dos Grupos de Pesquisa do CNPq, onde foram identificados 30 grupos, 95 linhas de pesquisa, 217 pesquisadores, 216 estudantes e 11 técnicos. Foram destacados em sala de aula os seguintes dados:

- a distribuição geográfica dos grupos de pesquisa, localizados principalmente no sudeste [63%] e sul [33%];

- a distribuição por área do conhecimento, sendo aproximadamente 84% das Ciências Humanas [a maior parte em "educação"];

- a distribuição por temáticas, onde mais de 50% está voltado para "ensino", "formação de professores" e "educação".

Esta predominância da "educação" pode ser analisada enquanto uma política de "popularização" da ciência que vem sendo realizada pelas universidades e outras organizações e impulsionada pelo Estado.

Neste sentido, também foi lembrado pelo Ney os dados da Conferência Nacional de Educação de 2010: aproximadamente 60,4% da população possui somente o Ensino Fundamental, 18% o Médio, 10% o Superior e cerca de 11% é analfabeto [http://conae.mec.gov.br/].

4) Finalmente, discutiu-se o texto "Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina".

Com base no artigo de A. Quijano [2000], foram discutidas as possíveis implicações do chamado "pensamento pós-colonial" sobre o campo de estudos da C&T. Partindo da ideia de "raça", o autor descreve como este termo foi construído a partir do contato colonial entre a Europa e as Américas:

"La idea de raza, en su sentido moderno, no tiene historia conocida antes de América. Quizás se originó como referencia a las diferencias fenotípicas entre conquistadores y conquistados, pero lo que importa es que muy pronto fue construida como referencia a supuestas estructuras biológicas diferenciales entre esos grupos."

Para Quijano, a produção deste modo de diferenciação através da raça, combinado com a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho humano em torno de do capital e do emergente mercado mundial, vai estruturar o novo padrão de poder da chamada "modernidade".

Desta forma, a distinção evolutiva entre raças primitivas e civilizadas - importante destacar que esta distinção fora realizada em bases "científicas" - leva a produção de um padrão de dominação de toda humanidade não-civilizada:

"El hecho de que los europeos occidentales imaginaran ser la culminación de una trayectoria civilizatoria desde un estado de naturaleza, les llevó también a pensarse como los modernos de la humanidad y de su historia, esto es, como lo nuevo y al mismo tiempo lo más avanzado de la especie. Pero puesto que al mismo tiempo atribuían al resto de la especie la pertenencia a una categoría, por naturaleza, inferior y por eso anterior, esto es, el pasado en el proceso de la especie, los europeos imaginaron también ser no solamente los portadores exclusivos de tal modernidad, sino igualmente sus exclusivos creadores y protagonistas."

Assim, o autor busca apontar como as próprias ideias de "Americas", "Europa", "Estado-nação" e "capitalismo" surgem através do contato inter-Atlântico, enquanto uma invenção social [e por que não dizer uma "ficção científica"] e, articuladas com o controle do trabalho, são elementos constitutivos dos padrões de dominação/exploração contemporâneos.

Esta articulação produz um reverso colonial do projeto de emancipação moderno e, de acordo com Dussel [2000], constitui um mito da racionalidade moderna enquanto razão superior, razão científica, que deve ser levada aos "outros" e caso necessário imposta, através de uma justificativa moral relacionada com a ideia de salvação. Dussel afirma de forma provocativa que o "ego cogito" moderno fora antecedido pelo "ego conquiro" [eu conquisto] ibérico que impos sua vontade - "la primera 'voluntad-de-poder' moderna" - sobre o índio americano.

O autor resumo este "mito" desta forma:

"1) La civilización moderna se autocomprende como más desarrollada, superior (lo que significará sostener sin conciencia una posición ideológicamente eurocéntrica).
2) La superioridad obliga a desarrollar a los más primitivos, rudos, bárbaros, como exigencia moral.
3) El camino de dicho proceso educativo de desarrollo debe ser el seguido por Europa (es, de hecho, un desarrollo unilineal y a la europea, lo que determina, nuevamente sin conciencia alguna, la "falacia desarrollista").
4) Como el bárbaro se opone al proceso civilizador, la praxis moderna debe ejercer en último caso la violencia si fuera necesario, para destruir los obstáculos de la tal modernización (la guerra justa colonial).
5) Esta dominación produce víctimas (de muy variadas maneras), violencia que es interpretada como un acto inevitable, y con el sentido cuasi-ritual de sacrificio; el héroe civilizador inviste a sus mismas víctimas del carácter de ser holocaustos de un sacrificio salvador (el indio colonizado, el esclavo africano, la mujer, la destrucción ecológica de la tierra, etcétera).
6) Para el moderno, el bárbaro tiene una "culpa" (el oponerse al proceso civilizador) que permite a la "Modernidad" presentarse no sólo como inocente sino como "emancipadora" de esa "culpa" de sus propias víctimas.
7) Por último, y por el carácter "civilizatorio" de la "Modernidad", se interpretan como inevitables los sufrimientos o sacrificios (los costos) de la "modernización" de los otros pueblos "atrasados" (inmaduros), de las otras razas esclavizables, del otro sexo por débil, etcétera."

Neste sentido cabe questionar como a Ciência e a Tecnologia [por que não dizer também a "Sociedade"?] moderna constituiu-se sobre o sacrifício dos "outros" [da ciência, da tecnologia e da "sociedade" do outro], seja através da negação de sua racionalidade, impedindo sua produção e transmissão, seja através da incorporação não-referenciada dos conhecimentos, saberes e formas de produção não-modernos, assim como questionar, principalmente: para quê e para quem se esta produzindo ciência e tecnologia, para quem se esta produzindo "sociedade"?

Referências:
- 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Livro Azul. Ministério de Ciência e Tecnologia, 2010
- Araujo, Ronaldo F. Os grupos de pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade no Brasil. Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Sociedade. Vol. 1, N.º 1, 2009. Disponível em http://www.revistabrasileiradects.ufscar.br/index.php/cts/article/view/50/4.
- Dussel, Enrique. Europa, modernidad y eurocentrismo. En libro: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas. Edgardo Lander (comp.) CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires, Argentina. Julio de 2000. Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/dussel.rtf
- Quijano, Aníbal Colonailidad del poder, eurocentrismo y América Latina. En publicacion: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Edgardo Lander. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Julio. 2000. Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/quijano.rtf

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