Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Acting in an Uncertain World: an essay on technical democracy

Segue abaixo o link para o livro de Michel Callon, Pierre Lascoumes e Yannick Barthe. A edição é a versão em inglês do texto em francês indicado para a sessão 12. A contribuição para o blog é do colega Manuel Avellaneda

Acting in an Uncertain World: an essay on technical democracy

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Relato da Sessão 14 - 24/11

Relato da Sessão 14 - Duas ou três coisas sobre a ciência sociológica

Textos indicados:
GIDDENS, A. O que é Ciência Social? In: GIDDENS, A. Em Defesa da Sociologia. São Paulo, Ed. UNESP, 2001, p. 97-113.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001. Cap. 1 (Emancipação), p. 23-63.

Por Tamara Benakouche

Considerando que todos na turma já haviam feito um relato para o blog e que nesse período do ano todos estão bem ocupados, não pressionei por novos voluntários e resolvi fazer eu mesma um breve relato da sessão 14, a última da disciplina, já que por motivos justificados em classe a sessão 15 foi cancelada.

O debate teve início a partir da seguinte questão, posta por mim: os textos indicados poderiam ajudar a definir um programa de ensino de Sociologia dentro de um curso na área de Estudos Sociais da Ciência e da Técnica (para simplificar, de CTS)? Afinal, o texto de Giddens afirma que já não há um consenso ortodoxo nas Ciências Sociais, e que em seu lugar há uma “multiplicidade de diferentes perspectivas teóricas” (p.98). As respostas convergiram no sentido de reconhecer as dificuldades para o ensino da Sociologia de um modo geral, inclusive no ensino médio e nas primeiras fases de outros cursos superiores, onde a disciplina é exigida.

Como alguns dos participantes são professores nesses níveis, houve uma interessante troca de experiências, havendo um certo consenso a respeito de alguns pontos, dentre os quais destaco: mais do que transmitir só conhecimentos, é importante motivar os alunos, trazendo temáticas do seu mundo para as aulas; combinar Sociologia com uma reflexão histórica parece ser estimulante; idem com uma reflexão filosófica; o estudo da teoria é importante, tanto quanto o de elementos de metodologia de pesquisa; a situação ideal seria que a perspectiva sociológica permeasse o conjunto de disciplinas...

Apesar da tentativa de discutir separadamente os textos de Giddens e de Bauman, isso não ocorreu, pois ora aspectos lembrados por um, ora por outro desses autores foram resgatados durante a aula. No entanto, a título de um breve relato, como é o propósito aqui, vale ressaltar os seguintes pontos:

- a idéia central do texto de Giddens foi identificada e aparentemente aceita. No caso, trata-se do reconhecimento de que as ciências sociais envolvem uma dupla hermenêutica: “os conceitos e as teorias desenvolvidas no âmbito destas se aplicam a um mundo constituído das atividades praticadas por indivíduos que conceituam e teorizam.” (p.111). Ou seja, todos os indivíduos interpretam a sociedade em que vivem (conceituam e teorizam, praticamente); cabe aos sociólogos interpretar estas interpretações (donde a noção de dupla hermenêutica). Este é o principal elemento que diferencia as ciências sociais das naturais – e estão na origem de suas dificuldades de reconhecimento acadêmico; os elementos da natureza – como as estrelas ou as marés – não teorizam sobre eles próprios. Nem mudam seu curso ou seu ritmo a partir das teorizações que são feitas sobre eles...

- um ótimo resumo do texto do Bauman foi feito pelo Felipe, que ressaltou a crítica feita pelo autor à chamada teoria crítica, a qual hoje estaria obsoleta: esta associava a emancipação dos indivíduos à diminuição da presença do Estado em suas vidas, mas, segundo Bauman, com o acelerado processo de individualização na atual modernidade (líquida, como ele a nomeia), “a verdadeira libertação requer hoje mais, e não menos, da ‘esfera pública’ e do ‘poder público’. (p. 62). Hoje, seria o espaço privado que coloniza o público. No debate em torno do texto foram ainda discutidos outros aspectos, valendo destacar: a diferença feita por Bauman entre indivíduo e cidadão; e as mudanças históricas dos medos que afligem as pessoas (no caso, fiz referencia ao livro História do Medo no Ocidente, de Jean Delumeau).

Finalmente, a Manuela fez uma crítica às ciências sociais atuais, afirmando que elas ainda tratam a natureza como distinta da sociedade, sem incorporá-la em suas teorizações ou agendas. Tal afirmação deu origem a um rico debate, que convergiu para uma aceitação de que isso já foi verdadeiro, mas que tal situação está em plena transformação.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Relato da Sessão 13 - 17/11/10

Relato da sessão 13 – A política nacional de ciência e tecnologia e a "colonialidade do saber"

Por Douglas Henrique da Silva

1) Inicialmente foi feito um breve histórico das políticas de Ciência e Tecnologia no Brasil.

Em um primeiro momento, pode-se dizer que as políticas públicas de C&T no Brasil iniciam-se com a vinda da família real portuguesa, fixada no Rio de Janeiro durante o começo do séc. XIX, através da abertura dos portos, da implantação de uma fábrica de pólvora e da criação do Jardim Botânico, com a finalidade de aclimatar as especiarias como noz-moscada, canela e pimenta-do-reino.

Um segundo período das políticas de C&T no Brasil se dá com as políticas de “modernização” das cidades (Rio de Janeiro, Florianópolis), baseadas no modelo de grandes “boulevards” franceses e ligadas às reformas sanitárias. Um ótimo exemplo destas políticas, que foi citado em sala de aula, é a famigerada “revolta da vacina”, em finais de 1904, onde ocorreram diversos conflitos entre a população e o governo devido à obrigatoriedade de vacinação contra a varíola, complementada com a derrubada forçada de diversas casas em áreas de “risco” sanitário.

Em 1916, funda-se a Sociedade de Ciência Brasileira, atual Academia Brasileira de Ciências, e o Museu Nacional, em 1918. Durante as décadas seguintes serão criadas as principais universidades do país, culminando com a fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [SBPC], em 1948, e do Conselho Nacional de Pesquisa [CNPq], em 1951, pelo almirante do exército Alvaro Alberto.

Cabe também destacar que durante a ditadura militar, as políticas de C&T serão impulsionadas sob a égide do "desenvolvimento nacional", ou do “Brasil Grande Potência”, o que vai gerar os grandes complexos industriais existentes hoje, principalmente na região Sudeste.

2) Em seguida foi discutido o conteúdo geral do chamado "Livro Azul".

Produzido na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável do País [CNCTI], 2010, o "Livro Azul" é um documento com recomendações sobre Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para a próxima década, propostas na CNCTI e que foi colocado para consulta pública pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.

O livro é organizado em 3 grandes partes, qual sejam: introdução e apresentação; estágio atual da C,T&I e oportunidades para o Brasil; grandes desafios e a agenda para C,T&I. Devido ter sido redigido em uma linguagem técnica e oficial, foi apontado em sala seu caráter normativo apesar de não possuir valor de lei.

Outro ponto discutido foi a falta de indicações sobre formas de governança pública da C,T&I, assim como as formas de implementação das recomendações, ou seja: como transformar estas recomendações em planos, programas e ações planificadas?

De acordo com o documento, as principais tecnologias estratégicas para o Brasil durante a próxima decada são: bioenergia, informática e comunicações, saúde, pré-sal, defesa e as tecnologias do futuro [nanotecno e biotecnologia].

3) Na seqüência, foi discutido um texto sobre grupos de pesquisa em C&T.

A partir do artigo de Araujo [2009] pudemos perceber que, a partir da década de 70, vai sendo produzido - inicialmente na Europa e EUA - um novo "campo conhecido como Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, Estudos da Ciência e da Tecnologia ou mesmo Estudos em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)". Este campo vai destacar a ciência "se fazendo", como o resultado de um processo social, "inseridos na estrutura social como as demais ações humanas, estando sujeita aos interesses, conflitos e contradições comuns a qualquer atividade social." Deste campo, o autor busca descreve sua pesquisa sobre os grupos existentes no Brasil a partir do Censo 2006 do Diretorio dos Grupos de Pesquisa do CNPq, onde foram identificados 30 grupos, 95 linhas de pesquisa, 217 pesquisadores, 216 estudantes e 11 técnicos. Foram destacados em sala de aula os seguintes dados:

- a distribuição geográfica dos grupos de pesquisa, localizados principalmente no sudeste [63%] e sul [33%];

- a distribuição por área do conhecimento, sendo aproximadamente 84% das Ciências Humanas [a maior parte em "educação"];

- a distribuição por temáticas, onde mais de 50% está voltado para "ensino", "formação de professores" e "educação".

Esta predominância da "educação" pode ser analisada enquanto uma política de "popularização" da ciência que vem sendo realizada pelas universidades e outras organizações e impulsionada pelo Estado.

Neste sentido, também foi lembrado pelo Ney os dados da Conferência Nacional de Educação de 2010: aproximadamente 60,4% da população possui somente o Ensino Fundamental, 18% o Médio, 10% o Superior e cerca de 11% é analfabeto [http://conae.mec.gov.br/].

4) Finalmente, discutiu-se o texto "Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina".

Com base no artigo de A. Quijano [2000], foram discutidas as possíveis implicações do chamado "pensamento pós-colonial" sobre o campo de estudos da C&T. Partindo da ideia de "raça", o autor descreve como este termo foi construído a partir do contato colonial entre a Europa e as Américas:

"La idea de raza, en su sentido moderno, no tiene historia conocida antes de América. Quizás se originó como referencia a las diferencias fenotípicas entre conquistadores y conquistados, pero lo que importa es que muy pronto fue construida como referencia a supuestas estructuras biológicas diferenciales entre esos grupos."

Para Quijano, a produção deste modo de diferenciação através da raça, combinado com a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho humano em torno de do capital e do emergente mercado mundial, vai estruturar o novo padrão de poder da chamada "modernidade".

Desta forma, a distinção evolutiva entre raças primitivas e civilizadas - importante destacar que esta distinção fora realizada em bases "científicas" - leva a produção de um padrão de dominação de toda humanidade não-civilizada:

"El hecho de que los europeos occidentales imaginaran ser la culminación de una trayectoria civilizatoria desde un estado de naturaleza, les llevó también a pensarse como los modernos de la humanidad y de su historia, esto es, como lo nuevo y al mismo tiempo lo más avanzado de la especie. Pero puesto que al mismo tiempo atribuían al resto de la especie la pertenencia a una categoría, por naturaleza, inferior y por eso anterior, esto es, el pasado en el proceso de la especie, los europeos imaginaron también ser no solamente los portadores exclusivos de tal modernidad, sino igualmente sus exclusivos creadores y protagonistas."

Assim, o autor busca apontar como as próprias ideias de "Americas", "Europa", "Estado-nação" e "capitalismo" surgem através do contato inter-Atlântico, enquanto uma invenção social [e por que não dizer uma "ficção científica"] e, articuladas com o controle do trabalho, são elementos constitutivos dos padrões de dominação/exploração contemporâneos.

Esta articulação produz um reverso colonial do projeto de emancipação moderno e, de acordo com Dussel [2000], constitui um mito da racionalidade moderna enquanto razão superior, razão científica, que deve ser levada aos "outros" e caso necessário imposta, através de uma justificativa moral relacionada com a ideia de salvação. Dussel afirma de forma provocativa que o "ego cogito" moderno fora antecedido pelo "ego conquiro" [eu conquisto] ibérico que impos sua vontade - "la primera 'voluntad-de-poder' moderna" - sobre o índio americano.

O autor resumo este "mito" desta forma:

"1) La civilización moderna se autocomprende como más desarrollada, superior (lo que significará sostener sin conciencia una posición ideológicamente eurocéntrica).
2) La superioridad obliga a desarrollar a los más primitivos, rudos, bárbaros, como exigencia moral.
3) El camino de dicho proceso educativo de desarrollo debe ser el seguido por Europa (es, de hecho, un desarrollo unilineal y a la europea, lo que determina, nuevamente sin conciencia alguna, la "falacia desarrollista").
4) Como el bárbaro se opone al proceso civilizador, la praxis moderna debe ejercer en último caso la violencia si fuera necesario, para destruir los obstáculos de la tal modernización (la guerra justa colonial).
5) Esta dominación produce víctimas (de muy variadas maneras), violencia que es interpretada como un acto inevitable, y con el sentido cuasi-ritual de sacrificio; el héroe civilizador inviste a sus mismas víctimas del carácter de ser holocaustos de un sacrificio salvador (el indio colonizado, el esclavo africano, la mujer, la destrucción ecológica de la tierra, etcétera).
6) Para el moderno, el bárbaro tiene una "culpa" (el oponerse al proceso civilizador) que permite a la "Modernidad" presentarse no sólo como inocente sino como "emancipadora" de esa "culpa" de sus propias víctimas.
7) Por último, y por el carácter "civilizatorio" de la "Modernidad", se interpretan como inevitables los sufrimientos o sacrificios (los costos) de la "modernización" de los otros pueblos "atrasados" (inmaduros), de las otras razas esclavizables, del otro sexo por débil, etcétera."

Neste sentido cabe questionar como a Ciência e a Tecnologia [por que não dizer também a "Sociedade"?] moderna constituiu-se sobre o sacrifício dos "outros" [da ciência, da tecnologia e da "sociedade" do outro], seja através da negação de sua racionalidade, impedindo sua produção e transmissão, seja através da incorporação não-referenciada dos conhecimentos, saberes e formas de produção não-modernos, assim como questionar, principalmente: para quê e para quem se esta produzindo ciência e tecnologia, para quem se esta produzindo "sociedade"?

Referências:
- 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Livro Azul. Ministério de Ciência e Tecnologia, 2010
- Araujo, Ronaldo F. Os grupos de pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade no Brasil. Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Sociedade. Vol. 1, N.º 1, 2009. Disponível em http://www.revistabrasileiradects.ufscar.br/index.php/cts/article/view/50/4.
- Dussel, Enrique. Europa, modernidad y eurocentrismo. En libro: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas. Edgardo Lander (comp.) CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires, Argentina. Julio de 2000. Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/dussel.rtf
- Quijano, Aníbal Colonailidad del poder, eurocentrismo y América Latina. En publicacion: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Edgardo Lander. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Julio. 2000. Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/quijano.rtf

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ciência pré-latina-americana

Por indicação do Douglas Silva, segue o link abaixo, com um artigo sobre ciência e tecnologia na America Latina "anterior", conforme aponta o autor - Attico Chassot, professor na UNISINOS - à chamada ciência moderna. É um material bem interessante para pensarmos os temas e debates levantados na última aula.

Uma ciência latino-americana anterior, a assim chamada Ciência Moderna

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Relatos da Sessão 12 - 10/11/2010

Relato da Sessão 12: Do saber perito ao saber leigo: a participação pública na ciência

Por Manuela Alvarenga Nascimento

A aula teve inicio com um debate sobre a participação pública na ciência e exemplos de testes que indústrias farmacêuticas realizam em pessoas, estando elas informadas disto ou não. Para ilustrar, foram citados alguns filmes que tratam do tema, como o filme “O jardineiro fiel” que mostra a articulação entre a indústria farmacêutica, governantes e médicos na realização de testes em pessoas doentes na África. Também foi comentado que, apesar de todos os avanços na área médica para alcançar a cura do câncer, as estatísticas demonstram que esta ainda é uma doença que provoca muitas mortes.

Nesta sessão também foram propostas pela professora algumas mudanças nas últimas aulas da disciplina. Foi aberto um espaço para sugestões de tópicos a serem discutidos no próximo encontro, e entre eles pode-se citar: “colonialidade do saber”; informática e cyber cultura; tecnologia e meio ambiente; C&T e gênero; tecnologias do corpo; política de ciência e tecnologia no Brasil. Depois do debate se decidiu que serão tratados dois temas na próxima aula: política nacional de ciência e tecnologia e “colonialidade do saber”.

Na segunda parte da aula se discutiu o texto “Ciência cidadã” de Alan Irwin. Após ler o texto, os alunos consideraram que, segundo o autor, uma recapitulação histórica da participação pública na ciência mostra que esta participação foi entendida como “mostrar” ao público as “conquistas” da ciência, ou seja, seus avanços e descobertas. Assim, se realizam semanas da ciência ou criam-se museus da história da ciência. Foi comentado que há pouco interesse do público em torno da ciência, dada a sua complexidade. Um reflexo disto é que, na televisão, os horários abertos para programas de assuntos científicos são momentos em que há baixa audiência, como o sábado ou domingo de manhã.

Também foi mencionado que o público precisa ser esclarecido para entender as informações dadas. Entretanto, esclarecer não significa torná-lo crítico. A “alfabetização científica” é geralmente usada para que a ciência seja conhecida e apoiada. Em relação a isto, pode-se questionar “de onde vem a informação dada?”, “quem informa?”. Há também certa ansiedade da comunidade cientifica em se abrir ao questionamento público. Nos processos de Consultas Públicas, é importante que os cientistas recebam questionamentos sobre temas que são considerados cientificamente como dados e inquestionáveis. Os conhecimentos tradicionais (indígena, por exemplo) põem em questão os critérios de validação da ciência. As pessoas em geral também têm conhecimentos, ainda que fragmentados. As pessoas “sempre sabem alguma coisa”.

A professora Tamara chama a atenção para o fato de que entre informação e crítica há a possibilidade de manipulação. Podem ser transmitidas, ou usadas, informações equivocadas ou pode-se forçar determinadas posições. As revistas “Superinteressante” ou “Galileu” se destinam a um público especifico que “sustentam” as revistas.

Outro aspecto relevante é que pessoas bem informadas, geralmente, não se mobilizam e inserem as questões na esfera pública. São pessoas que acessam bons canais de informação, são capazes de entender o que está sendo transmitido, mas que não transformam seus conhecimentos em ações que possam contribuir para mudar a realidade problemática. É o que se chama de “disfunção narcotizante da informação”. Por exemplo, há alto índice de câncer no estado de Santa Catarina, mas não se procura saber as causas desses números.

Neste processo de participação na ciência é importante, como já foi dito, que haja uma interação entre cientistas e público, mas deve-se diferenciar quando a negativa de participação pública se trata de resistência e o apelo dos cientistas de defesa de interesses específicos.

Foi mencionado que existem poucos mecanismos de participação na ciência; “ela está blindada”, por exemplo, em questões como construção de usinas, o uso dos transgênicos, o Pré-sal, não se nota um caminho aberto e claro de participação nas discussões e tomada de decisão. A participação não seria viável? O que é participação? Quem é o público? Como se participa?

Foi comentado que já existem algumas vias, como a participação pela internet, ou em conselhos do governo. Ainda estamos no processo de construção da participação (“in the making).

Foi finalmente apresentado o texto de Callon em que ele discute como agir em “A procura de um mundo comum”. Segundo o autor, não há um modelo pronto. Callon trabalha com dois eixos, o da participação na ciência e o da participação na política, propondo que há um ponto de cruzamento entre os dois. O cruzamento desses eixos passa, também, pela construção de uma democracia dialógica.

No Brasil há um reduzido campo de discussão aberto sobre a participação na ciência. Foram mencionados núcleos de estudos sobre esta temática. Entretanto, a professora Tamara insiste que não deveríamos assumir uma postura pessimista frente a isto. Ainda não está claro o COMO participar, mas isto não significa que não possa haver vias participativas. Citando Callon, Tamara diz “é importante considerar as possibilidades que oferecem potencialidades de diálogo entre o público e o cientista”, (Callon, p. 60)

sábado, 13 de novembro de 2010

Anibal Quijano

O artigo do sociólogo peruano Anibal Quijano, "Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina"; uma das leituras indicadas para a próxima sessão pode ser baixado aqui

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Livro Azul

Já está disponível para consulta pública o documento (Livro Azul) com a consolidação das recomendações propostas na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável do País (CNCTI), evento realizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE ), em maio último, em Brasília.

O MCT convida a toda a sociedade - em especial aos conferencistas e participantes da 4ª CNCTI, cientistas, pesquisadores, técnicos, empresários, trabalhadores, professores, estudantes e demais interessados das instituições de pesquisa e de ensino, dos órgãos governamentais, da iniciativa privada e do Terceiro Setor - para participar da consulta pública que irá gerar um documento final, o "Livro Azul". O objetivo da Consulta consiste em avaliar e aprimorar as sugestões do referido evento, que foram consolidadas por uma comissão de redação coordenada pelo secretário executivo do MCT, Luiz Antonio Elias, e pelo secretário geral da 4ª CNCTI, Luiz Davidovich.

A colaboração de todos é muito importante para aprimorar e aumentar a representatividade desse documento, fortalecendo seu papel no estabelecimento de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável do País na próxima década.

Para ler o documento e fazer a sua contribuição basta entrar no link (http://www.cgee.org.br/prospeccao/exercicio/delphi/cadastre_livroazul.php ), cadastrar-se e seguir as instruções. Essa consulta está aberta até o próximo dia 22 de novembro.

Para baixar o Livro Azul acesse aqui

Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Sociedade

Olá pessoal! O link abaixo é do número 1 da revista do primeiro programa de pós-graduação no Brasil declaradamente na área de Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, na Universidade Federal de São Carlos, SP (UFSCAR). Uns artigos são interessantes, outros não, mas deixo voces decidirem a respeito... Gostaria porém de chamar a atenção para a resenha que está publicada lá, de nivel muito bom, e que poderia inspirar voces. Vale dar uma olhada!!! E deixar comentários...
Tamara

Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia & Sociedade

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Relato da Sessão 11 - 3/11/10

Relato da Sessão 11 - Existem Acidentes Normais? A Banalização do Risco

Por Daniel Caon Alves

A partir do tema dos "riscos" relativos à tecnologia, esta aula teve dois momentos: o primeiro, em torno do texto Normal Accidents - living with high-risk technologies, de Charles Perrow, onde a análise em aula deteve-se na reflexão geral sobre a própria noção de risco; o segundo momento, como estudo de caso, girou em torno do acidente com o ônibus espacial estadunidense Challenger, ocorrido em 1986, tendo ainda como suporte um capítulo da obra O Golem à Solta: o que você deveria saber sobre tecnologia, de Harry Collins e Trevor Pinch, que analisa aquela tragédia ocorrida no programa espacial norte-americano.

A partir da tese de que o uso e a produção crescentes de tecnologia em nossas sociedades implicam na presença constante de um determinado fator de risco, a análise desses riscos envolve cada vez mais não apenas o isolamento de um elemento (erro humano, falha mecânica, condições ambientais/contextuais, design do sistema ou procedimentos - a partir da sigla em inglês “DEPOSE: design, equipment, procedures, operators and environment”), mas a consideração da inter-relação e da própria complexidade do sistema tecnológico em questão. Discutiu-se em aula a abrangente conceitualização de Perrow acerca da ordenação tecnológica, onde o autor procura dar conta de uma complexidade que dificulta o entendimento das causas de acidentes e dos graus de riscos inerentes a cada sistema tecnológico.

Em geral, esses sistemas apresentam interações que podem ser lineares ou complexas propriamente ditas, através de acoplamentos ("coupling") fortes ou fracos. Nesse sentido, o risco, e consequentemente, os acidentes, são normais não porque se espera que ocorram, mas porque são intrínsecos à própria disposição do sistema. Algo que exemplifica a questão é a própria redundância, isto é, a presença de subsistemas tecnológicos que garantam o funcionamento do sistema primário ou que o substituam em caso de alguma falha. Em virtude do nível de segurança buscado em cada caso, essa redundância, ao mesmo tempo em que supre uma necessidade de prevenção, ela própria pode gerar uma complexidade por demais arriscada para todo o empreendimento.

O estudo de caso realizado no segundo momento da aula ilustrou a discussão inicial. Em 28 de janeiro de 1986, a explosão do ônibus espacial Challenger, minutos após o seu lançamento, resultou na morte de toda sua tripulação e comoção social profunda nos Estados Unidos, uma vez que o evento estava sendo amplamente televisionado, especialmente em função de a missão contar, pela primeira vez, com um tripulante civil, no caso, uma professora que iria transmitir em rede nacional uma aula diretamente do espaço.

A grande questão que norteou o debate desse tema foi em torno da questão da responsabilidade sobre riscos tecnológicos, ou como foi fortemente suscitado a partir do acidente com a Challenger e em outros casos envolvendo a opinião pública, de se saber os culpados. Acompanhando a reflexão de Harry Collins e Trevor Pinch, com a contribuição da exibição de vídeos, reportagens e filmagens sobre a tragédia com a Challenger, um dos pontos mais importantes debatidos, após vários anos decorridos do acidente, é distinguir os fatores técnicos daqueles que envolveram a tomada de decisão, ou seja, um nível mais gerencial. Em função desse episódio em particular, onde o contexto sócio-político marcava fortemente os rumos do programa espacial estadunidense, logo surgiram afirmações de que a urgência motivada por questões políticas precipitou uma tomada de decisão acima dos riscos que se costuma dizer "necessários".

Porém, uma análise mais aprofundada oferecida pelos autores revelou como questões técnicas inerentes a uma empresa de tão alto risco como o lançamento de veículos espaciais tripulados são de difícil resolução por parte daqueles que se responsabilizam pelo seu controle. Assim, o conflito que houve entre os diferentes grupos de engenheiros acerca de testes e verificações, que se mostraram mais do que meros detalhes ou preciosismo, pode ilustrar que, para além do entorno político, havia impasses na própria instância técnica. Em outras palavras, dado o alto grau de precisão necessário e, ao mesmo tempo, a dificuldade de domínio dos fatores implicados, não havia acordo suficiente sobre até que ponto uma determinada peça teria condições aceitáveis para o projeto - para ficar só no exemplo dos anéis-em-O. Nesse sentido, o debate em aula demonstrou como a própria noção de "aceitável" pode ser bastante subjetiva, mesmo num campo tão "técnico" como a engenharia aeroespacial. Com a explosão da Challenger, muitos pontos de discussão acerca daquela missão que anteriormente talvez não fizessem sentido foram percebidos de outra forma já no contexto do acidente, entre elas, o risco representado por discordâncias e incertezas entre administradores e, especialmente, entre engenheiros.


Referências Bibliográficas

PERROW, Charles. Normal Accidents. Living with high-risk technologies. USA: Basic Books, 1984.

COLLINS, Harry e PINCH, Trevor. O Golem à Solta: o que você deveria saber sobre tecnologia. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

TENDÊNCIAS/DEBATES: Cenário promissor para a inovação no país

Por SERGIO MACHADO REZENDE e RONALDO MOTA

Ainda que haja longo caminho a percorrer, as empresas já incorporam a inovação em seus processos produtivos, tornando-se mais competitivas

Inovação compreende um produto ou processo novo, bem como a introdução de uma qualidade ou funcionalidade inédita de produto já existente; é fator decisivo para a competitividade das empresas. A atividade de inovação tecnológica requer a participação de engenheiros e cientistas, preponderantemente com formação pós-graduada.

Apesar do início tardio, a pós-graduação brasileira avança rapidamente. O número de mestres e doutores formados passou de cerca de 5.000 em 1987 para quase 50 mil em 2009.

A ciência avançou muito no Brasil; no entanto, a inovação tecnológica em nossas empresas ainda é tímida. Tal situação decorre da carência de cultura de inovação no ambiente empresarial e da insuficiente articulação entre política industrial e ciência e tecnologia.

Até recentemente, o principal instrumento para apoiar a inovação era o crédito da Agência Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com juros da Taxa de J uros de Longo Prazo (TJLP) mais 5%.

Mas isso está mudando. Inovação é, hoje, uma das prioridades da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação 2007-2010 (Pacti).

Com a Lei de Inovação (2004) e a Lei do Bem (2005), as empresas passaram a contar com instrumentos mais amplos e efetivos.

A subvenção econômica viabilizou a concessão de mais de R$ 2 bilhões não reembolsáveis para empresas realizarem inovação. Tal valor é complementado por outros investimentos reembolsáveis da Finep e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de créditos com juros muito baixos.

O Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe) aporta recursos para as pequenas e médias empresas em operação com parceiros estaduais. Adicionalmente, existem hoje mais de 30 fundos de capital de risco, com mais de R$ 3 bilhões para investir. O Programa Primeira Empresa Inovadora (Pri me) concedeu em 2009 subvenção econômica para 1.381 empresas, por meio de parcerias com 17 incubadoras.

O Programa RHAE-Pesquisador na Empresa, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), concede bolsas para mestres e doutores atuarem nas empresas, tendo contemplado, nos anos de 2008 e 2009, mais de 300 empresas, possibilitando a inserção de 507 mestres e doutores e 550 técnicos nas equipes de trabalho.

A Lei do Bem concede incentivos fiscais para empresas que realizem atividades de inovação. Em 2006, 130 empresas declararam investimentos de R$ 2,2 bilhões. Já em 2009, 635 empresas investiram mais de R$ 9,1 bilhões.

O mais recente estímulo para inovação vem da medida provisória 495/2010, que altera a lei de licitações públicas ao conceder a margem de preferência de até 25% nas licitações estatais às empresas que investem em inovação.

Para fomentar a interação universidade-empresa, o go verno federal implantou o Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), formado por 56 redes de núcleos de pesquisa e desenvolvimento, sendo 14 redes de centros de inovação, 20 de serviços tecnológicos e 22 de extensão organizadas nos Estados. Ainda há um longo caminho, mas passos importantes têm sido dados na direção correta.

As empresas já incorporam a inovação em seus processos produtivos, tornando-se mais competitivas e mais lucrativas. Isso oferece condições para a conquista de novos mercados. O país começa a formar uma nova geração de empresários, empreendedores em tecnologia.
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SERGIO MACHADO REZENDE é ministro da Ciência e Tecnologia.
RONALDO MOTA é secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia.
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Texto publicado na Folha de S.Paulo de 8 de novembro de 2010.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Relatos da Sessão 10 - 28/10/2010

Relatos da Sessão 10 – Riscos e reflexividade: o quanto é o suficientemente seguro?

Por Ana Carolina Cassiano

Nesta aula, começamos a discutir questões contemporâneas relacionadas à Sociologia da Ciência e da Técnica. Os riscos situam-se como um dos temas mais importantes quando se discute C e T hoje. O tema dos riscos passou a se tornar objeto de estudo das ciências sociais a partir da década de 1980. Até então, os riscos vinham sendo estudados por outras áreas do conhecimento em que predominavam análises técnico-quantitativas.

Ulrich Beck foi um dos teóricos que começou a discutir tal temática, pensando os riscos de forma mais ampla, em busca de uma “teoria social da modernidade”. Portanto, seu intuito ao estudar a temática é descrever características da sociedade contemporânea. Beck considera os riscos característicos da atual fase da modernidade – que chama de segunda modernidade – como sendo diferentes dos riscos que existiam na sociedade industrial. Enquanto estes últimos são possíveis de quantificação e de cálculos probabilísticos, os específicos do mundo contemporâneo não podem ser quantificados, dado seu caráter ainda mais incerto. Pelo papel definidor que os riscos agora adquiriram, esta fase da modernidade também é intitulada pelo autor de sociedade de risco.

Enquanto na primeira modernidade há uma confiança no progresso e na controlabilidade do desenvolvimento científico-tecnológico, na segunda modernidade o desenvolvimento técnico-científico não daria conta de controlar e prever os resultados dos riscos que ajudaram a criar. Estes seriam agora riscos de alta conseqüência, pois podem ser irreversíveis. Exemplo disso seriam riscos ecológicos, químicos e nucleares. Outra característica dos riscos da segunda modernidade que é ressaltada por Beck é que estes seriam “democráticos”: afetariam a todos, ultrapassando fronteiras de países e classes sociais.

Esta foi uma das principais dimensões que geraram críticas ao autor no debate em sala; afinal, os riscos seriam democráticos para quem? E onde? Ao diferenciar duas fases da modernidade, Beck obviamente não está pensando que há uma ruptura total entre aspectos existentes anteriormente. Mas ao propor que os riscos são democráticos, ele parece estar pensando em uma sociedade em que prevalecem características da segunda modernidade. Neste sentido, o autor parece ignorar que existem sociedades em que convivem aspectos destas duas fases da modernidade, nas quais as diferenças entre classes ainda são gritantes; isso poderia tornar alguns mais suscetíveis a certos riscos do que outros e, portanto, tais riscos não seriam tão democráticos assim. Alguns colegas sugeriram que talvez o autor tenha sido infeliz no uso deste termo, e que se tivesse utilizado apenas a ideia de estes riscos serem “universais” ou “globais” isso já seria satisfatório.

Anthony Giddens assume o conceito de risco proposto por Beck, concordando que os riscos de alta conseqüência – que acarretam implicações para grande número de pessoas – são característicos da atual fase da modernidade. Entretanto, em sua análise, Giddens acrescenta algumas dimensões a esta fase, à qual ele dá o nome de alta modernidade. Uma das características centrais apontadas pelo sociólogo inglês é que estaríamos agora vivendo as conseqüências da modernidade (justamente o título do livro em que se encontra o capítulo que lemos) e que a confiança nos sistemas peritos passou a ser reavaliada.

Estes sistemas seriam um tipo de mecanismo de desencaixe, mecanismos que deslocam as relações sociais de contextos específicos de interação e as recombinam por meio de grandes distâncias no tempo e no espaço. Os sistemas peritos colocam entre parênteses o tempo e o espaço, dispondo de conhecimento técnico que possui autoridade independentemente do público que faz uso dele. Isto implica em uma atitude de confiança em relação a estes sistemas. Para as pessoas leigas, a confiança nos sistemas peritos não depende de um domínio sobre o conhecimento que eles produzem, mas sim de uma forma de “fé” que se baseia na experiência de que estes sistemas, na maioria das vezes, funcionam da forma que é esperada que eles funcionem. Assim, o conceito de confiança é outra noção central no texto de Giddens.

Ao analisar as descontinuidades da história do desenvolvimento da modernidade, Giddens descreve características tanto da modernidade, quanto da tradição. No que se refere aos sistemas peritos, diferente do que ocorre em sociedades tradicionais, nas condições da modernidade, estes permeiam todos os aspectos da vida social, não se limitando a áreas de conhecimento tecnológico, mas estendendo-se às próprias relações sociais. Já a alta modernidade seria caracterizada pelo reconhecimento de que a ciência e a tecnologia têm dois gumes: ao mesmo tempo em que oferecem benefícios à humanidade, podem trazer novos riscos e perigos. Frente a isso, apesar dos sistemas peritos continuarem representando fontes de autoridade, o caráter mutável e muitas vezes controverso do conhecimento tecnocientífico encontra-se exposto ao público e, portanto, sujeito a um ceticismo generalizado por parte dos leigos.

Um conceito utilizado por Giddens e por Beck é o de reflexividade. Em Beck, reflexividade se refere à idéia de que na segunda modernidade estaríamos sofrendo os “reflexos” dos riscos desenvolvidos desde a primeira modernidade pela tecnociência – uma radicalização da modernidade. Já para Giddens, “a reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter” (1991, p. 45).

Além destes dois autores, também discutimos – embora brevemente – algumas ideias de Mary Douglas. A antropóloga inglesa foi uma das pioneiras nos estudos sobre riscos nas Ciências Sociais e uma das primeiras a criticar as análises técnicas sobre riscos. Em sua obra, destaca-se a ênfase no caráter cultural das definições de risco. A autora indica que muitas vezes as pessoas abrem mão de um risco por outro, pois consideram certos riscos enquanto prioritários dependendo da percepção cultural a seu respeito. Isto pode ser resumido na proposta de substituir a clássica questão em análises de riscos “how safe is safe enough?” (subtítulo de nossa aula) por “how safe is safe enough for this particular culture?”.

P.S.: Aproveito para enviar também alguns textos complementares, no caso, os artigos de Guivant comentados em sala e também um de Beck.

Beck, Ulrich. Vivir em la sociedade del riesgo mundial. Living in the World Risk Society. Barcelona: Fundació CIDOB, 2007.

Guivant, Julia S. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. In: Estudos Sociedade e Agricultura. n. 16, 2001, pp. 95-112.

Guivant, Julia S. A trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da teoria social. In: BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. v.46, 1998, pp. 3 - 38.

Por Rafael Matos

O dicionário Aurélio define a palavra risco como “perigo mais que possível, do que provável”. Já Luft a define como “perigo muito provável, iminente”. Definições tradicionais e que não mudam, mesmo com os recursos mais modernos que permitem a publicação de dicionários abertos a contribuições, como o Wikcionário, onde o substantivo risco é assim definido: “possibilidade dum acontecimento futuro incerto; perigo”. Ou seja os próprios recursos de web 2.0, expressados nas páginas Wiki (termo que significa a construção de conteúdos colaborativos), que podem ou não ser confiáveis, são um exemplo do “perigo possível” de publicação de informações, já que podem, ou não, ser incompatíveis com os termos a que se referem.

E é sobre esta percepção dos riscos, descobertas, aceitação, conhecimento, entre outras questões, que os textos estudados na Sessão 10 trouxeram argumentos para um debate sociológico. Ulrick Beck relata que o desenvolvimento da humanidade exigiu a produção de riscos. A ampliação do conhecimento tecnológico e científico também contribuiu para o estudo dos riscos e a percepção deles. Da mesma forma que a ciência teve e tem papel decisivo para o controle dos riscos e a descoberta de soluções.

A partir dos escritos de Beck também se discutiu que as pessoas abrem mão da segurança para ganhar alguma coisa. O conforto dos tempos modernos é acompanhado por riscos, mas como define o significado da palavra “são perigos possíveis, mas incertos”. Esta situação ficou exemplificada na fala de Manoel Avellaneda sobre uma comunidade na Índia, que queria a permanência de uma fábrica poluidora, já que ela também proporcionava mesa farta aos seus empregados.

No texto de Anthony Giddens são apresentados argumentos sobre as consequências da modernidade, que tem relação com a deterioração do meio ambiente e também da sociedade tradicional. Novamente aqui, surge a relação entre o conhecimento/informação e sobre o que isto representa, destacando-se o sentido da ação e a responsabilidade que têm os peritos e os leigos para minimizar os riscos.
Edson Jacinski fez uma relação com os riscos sociais e que ao sair de casa, o cidadão está sujeito também aos riscos da violência, que são 'mais possíveis do que prováveis'.

Pelas observações e discussões do grupo ficou a certeza de que a aceitação dos riscos, a busca de soluções e a evolução da modernidade passam pela capacidade que o indivíduo adquire de fazer escolhas. Porém, a redução dos riscos exige uma mudança de atitude. E será que a sociedade atual, cada vez mais individualizada e preocupada com o próprio quintal, está disposta a trocar o conforto do momento, por um futuro improvável, do qual o individuo de agora não fará parte?

Referências
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
LUFT, Celso P. Minidicionário Luft. São Paulo: Ática/Scipione, 7ª Edição.
Wikcionário. Risco. http://pt.wiktionary.org/wiki/risco. Acesso em 2 nov 2010.

Coisas não ditas (durante a sessão 9)

Por Denise Nunes

1)Influências epistemológicas

a)Considero importante lembrar que Bourdieu é um dos autores que elaboraram teorias de síntese, ou seja, para ele as teorias clássicas em suas abordagens macro e micro sociológicas seriam insuficientes para os estudos da sociedade e seria necessário uma abordagem macro E micro de forma simultânea e não isolada, como acontecia nos clássicos. Por este motivo é tão evidente a influência dos autores clássicos em seus escritos.

b)Fica mais claro para alguns leitores a influência de Durkheim nas obras de Bourdieu, o que me parece algo um tanto previsível e legítimo; afinal, ambos eram franceses e naquele contexto a disputa por um lugar ao sol na academia não era (como parece não ser também hoje) nada fácil. Sendo assim, penso que nada mais coerente do que ser assimilado/lembrado junto a um clássico da área para se começar a ter notoriedade. Diria que Bourdieu só estava colocando em prática o que explicou em algum momento da sua teoria.

c)Tentativa de comparação entre os autores Bourdieu e Latour (e suas obras). Quanto a isso, penso que os objetivos (principalmente os iniciais) de ambos eram diferentes. Bourdieu pretendia teorias de síntese (em última instância) e Latour, estudos de caso, além de seu lugar ao sol. Acredito que ambos os trabalhos chamam a atenção do leitor para focos diferentes da pesquisa. Se eles fazem críticas, elogios ou simplesmente “destroem” os trabalhos um do outro, eis a vida acadêmica! Eis o fazer ciência! Nos termos de Bourdieu, podemos dizer que se trata de uma disputa no campo, e nos termos de Latour trata-se de uma “batalha” discursiva (quase) que pelo convencimento. Ok! Simplifiquei quase ao nível do achincalhamento e peço que me perdoem. Mas o que eu quis dizer é que considero ambos os autores e obras incomparáveis no sentido de se tentar uma avaliação (boa ou ruim) e, antes de mais nada, que o debate público a respeito faz com que as “luzes dos holofotes” da academia dirijam-se a eles, e nesse momento, vigora um velho ditado: “quem não é visto não é lembrado”. Dessa forma. ambos passam a ter visibilidade. Mas isso talvez seja apenas mais um de meus pressupostos simplistas...

2)Teorias de síntese

Sobre isso gostaria de lembrar que Bourdieu não foi o único nessa empreitada. Anthony Giddens se deu ao mesmo trabalho (cito apenas ele por ser um dos autores da aula seguinte a de Bourdieu). Ambos falam nas teorias da estruturação, ambos têm conceitos comuns, embora diferentemente enunciados. Em ambas as teorias encontraremos as noções de agentes, estrutura e de reflexividade, por exemplo. É interessante prestar atenção nesses dois modos de fazer teoria e nas diferenças que cada uma apresenta. São autores de contextos diferentes que buscam algo comum: teorias de síntese. Veremos também que cada qual apresenta o peso de um clássico diferente. Assim como mencionamos a presença das idéias de Durkheim em Bourdieu, penso que salta aos olhos a perspectiva hermenêutica de Weber nas idéias de Giddens. Seria legal focar também como os autores percebem o senso comum... Enfim! Lembro que antes de julgar qualquer um dos autores contemporâneos seria legal relembrar as aulas iniciais da disciplina, que tinham seu quê de epistemologia; afinal, as idéias não saem do nada e é sempre bom evitar o tal anacronismo do qual falava Skinner: estes autores escreveram de acordo com determinadas leituras e/ou influências e voltados para seus respectivos contextos. Assim, penso que não nos cabe julgá-los valorativamente ou simplesmente dizer que eles não pensaram na realidade brasileira (ou qualquer outra) dos dias atuais. Creio que “talvez” essa não fosse a intenção deles.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ernest Mandel: O Capitalismo Tardio

Por Ney Jansen

Envio um trecho do livro de Ernest Mandel “O Capitalismo Tardio” em que o autor critica o que ele chamará de absolutização dos conceitos de “racionalidade econômica” e “racionalidade tecnológica” e que nos permite dialogar com os textos de Marcuse, Habermas e Beck. O conceito de “capitalismo tardio” também foi utilizado por teóricos da escola de Frankfurt como Marcuse e Adorno.

Abaixo algumas informações sobre Mandel e o conceito “capitalismo tardio” (fonte: Wikipédia).

Ernest Ezra Mandel (1923-1995) foi um economista e político judeu-alemão radicado na Bélgica. Marxista desde os 16 anos, de linha trotskista, contribuiu com suas críticas ao marxismo anti-stalinista. Durante a Segunda Guerra Mundial, Mandel atua na Resistência contra o nazismo. Preso em 1944, é levado à prisão de Saint-Gilles, de onde consegue fugir antes de ser deportado para Auschwitz. Obtém a licenciatura pela École Practique des Hautes Études da Sorbonne, na França, em 1967.

A partir de 1968 Mandel torna-se uma figura pública, sendo conhecido como político marxista, ao percorrer várias universidades européias - (Turim, Louvain, Berlim, Cambridge, Lunde) - e americanas, ministrando conferências sobre Socialismo, Imperialismo e Revolução.

Apesar de sua reputação científica e da sua grande popularidade entre os estudantes, entre o final da década de 1960 e os anos 1970 Mandel é oficialmente impedido de ingressar em vários países da europa ocidental e também nos países stalinistas do leste europeu, por ser considerado perigosamente subversivo e até um terrorista.

Embora oficialmente impedido de entrar na antiga Alemanha Ocidental, em 1972 obteve seu PhD, na Universidade Livre de Berlim por sua tese Der Spätkapitalismus – Versuch einer marxistischen Erklärung ("O Capitalismo tardio - uma tentativa de explicação marxista"). Lecionou na Universidade Livre de Berlim por alguns meses e posteriormente tornou-se docente da Universidade Livre de Bruxelas.

O conceito de capitalismo tardio refere-se à fase contemporânea do desenvolvimento capitalista.

Mandel apresenta três fases do desenvolvimento capitalista:

A 1ª fase: o capitalismo de mercado, entre 1700 e 1850; a 2ª fase: o capitalismo monopolista, até aproximadamente 1960, quando se dá o esgotamento do 'boom' de reconstrução pós-guerra; a 3ª fase: o capitalismo tardio, que teria como elementos distintivos a expansão das grandes corporações multinacionais, a globalização dos mercados e do trabalho, o consumo de massa e a intensificação dos fluxos internacionais do capital. Seria mais propriamente uma crise de reprodução do capital do que um estágio de desenvolvimento, uma vez que o crescimento do consumo (e portanto, da produção) tornar-se-ia insustentável pela exaustão dos recursos naturais.

O estágio tardio teria entre suas principais características, uma enorme expansão da capacidade produtiva, baseada no desenvolvimento tecnológico, resultando em superprodução, porém, com redução do emprego industrial mediante transferência de postos de trabalho para o setor terciário ("terceirização" das atividades de apoio, não diretamente ligadas à produção industrial) e precarização do emprego, deslocando-se o centro de gravidade da produção social da indústria para os serviços ("terciarização" da economia).

Confira o texto:
O Capitalismo Tardio

Relatos da Sessão 9 - 21/10/10


Relatos da Sessão 9 - A Sociologia dos Cientistas: para não dizer que não falamos de Bourdieu

Por Fernanda Mambrini Rudolfo e Karlo Koiti Kawamura

Pierre Bourdieu não é um sociólogo da ciência, mas “O campo científico”, o texto base da aula é considerado um clássico da disciplina. Vejamos os principais conceitos que foram debatidos:

Campo: A sociedade não está separada do indivíduo (o autor se opõe à separação sociedade x indivíduos, bem como entre estrutura x função). As relações na sociedade se estruturam em campos (campo social, campo político, etc.). As ações dos indivíduos se manifestam através de práticas, estratégias e disposições. Os campos são hierarquizados em virtude do capital específico acumulado pelos agentes e em cada um haverá dominantes e dominados (assim, por exemplo, no campo científico o capital que importa é o conhecimento).

Os capitais são diferentes, mas há uma afinidade entre eles, e todos se distribuem dentro do campo social. Bourdieu destaca em seu trabalho a noção de prestígio ou de distinção, que seria o estilo de vida que distingue os indivíduos na sociedade (Bourdieu salienta a importância do local onde nós nascemos) mas também reconhece que há uma certa permeabilidade entre os campos.

Habitus: As práticas dos agentes são orientadas por disposições que são aprendidas, mas que se tornam uma espécie de natureza desses agentes; isso constitui o que Bourdieu chama de habitus. É mais do que o hábito, pois se incorpora na pessoa; constitui o que chama de uma estrutura estruturada e estruturante. As principais instituições onde o habitus se constitui são a família e a escola (daí a idéia de que elas são os espaços de reprodução social).

Capital: São as características consideradas importantes dentro de cada campo (social, político, científico, artístico, etc.) e o capital que se tem vai influenciar a posição que se ocupa em cada campo, seja de dominante ou de dominado.

Mudança social: A atividade de pesquisa de Bourdieu se iniciou a partir da temática da reprodução social, ou seja, de como a sociedade muda, mas, ao mesmo tempo, de como a sociedade se mantém (Plus ça change, plus c´est la même chose). De acordo com o autor, sempre há estratégias de conversão (subversão), mas também de manutenção. O autor estudou, a partir da escola, os aparelhos de reprodução de desigualdades sociais. Bourdieu é reconhecido, por esse motivo, como o sociólogo da reprodução, mesmo se também questione por que a sociedade muda e como isso acontece (tema central na Sociologia). Contudo, considera-se que ele não explica satisfatoriamente como ocorre a mudança social, sendo por isso criticado. Por exemplo, Bourdieu não explicaria como algumas pessoas humildes conseguem furar o bloqueio da reprodução social e ascender.

Outros pontos debatidos:

O campo científico é, como os outros campos, um microcosmo social, parcialmente autônomo, ou seja, está submetido a regulações. Há uma ligação muito forte entre o campo científico e o campo político (que acaba por permear quase todos os campos).

Para Bourdieu, a reflexividade é uma condição do fazer sociológico: o conhecimento da sociedade deve ser reflexivo – no sentido de permanentemente discutido – para assegurar sua validade.

Apresentou-se, na aula, uma entrevista simulada com Pierre Bourdieu, a partir de trechos do segundo artigo indicado para leitura (da revista Política e Sociedade) Com base em perguntas fictícias, discutiram-se os principais conceitos trazidos pelo autor (alguns já mencionados neste relato), bem como a aplicação da idéia de campo científico às ciências sociais. Um ponto destacado foi a afirmação a respeito da ausência do monopólio de um “discurso legítimo”, nas ciências sociais, situando-se entre os campos científicos mais puros e os campos político e religioso. Desenvolveu-se, ainda, debate a respeito da importância da internacionalização das ciências sociais para o progresso da autonomia científica, visto que Bourdieu sugere essa alternativa para as ciências sociais (uma internacional de outsiders). A fim de concretizar o progresso de uma ciência social autônoma, dever-se-ia evitar, ainda, a tentação do populismo (ou seja, deve-ser ser um cientista, não um militante).

Os jornalistas são concorrentes dos cientistas sociais. Bourdieu critica a televisão em um de seus livros, principalmente por não dar tempo aos cientistas para exporem seu pensamento.

Uma questão debatida foi se a sociologia da ciência tenta desmistificar, mostrar que a ciência também tem seus limites. Há um ‘endeusamento’ da ciência para as pessoas comuns, como se ela não pudesse ser questionada, confrontada (só poderia ser ‘contestada’ por cientistas e, ainda, somente se tiverem ‘autoridade’). Na realidade, produzir ciência seria uma prática social como qualquer outra e uma idéia pode ser debatida tanto pelos cientistas como pelos profanos (não cientistas).

Por fim, discutiu-se a idéia de revolução científica de Kuhn, a partir das críticas feitas por Bourdieu de que elas são mais difíceis hoje, porque o campo e suas estratégias estão mais cristalizadas (há normas científicas mais rígidas). Uma possibilidade, porém, é que surjam fatores externos (exógenos) que façam com que o postulante a “dominador” tenha outra motivação (ferocidade). Por exemplo, Einstein, sendo judeu, pôde revolucionar a ciência, pois sua motivação era pessoal e ia além das estratégias do campo. Como se pode explicar, então, o fato de Planck ter “revolucionado” a física, sendo do grupo dominante?

Por Rosana de Jesus


Pierre Bordieu
Os debates na aula giraram em torno das idéias principais deste pensador, as quais versam sobre como ocorrem os processos de mudanças, transformações e reproduções sociais. Ele teorizou sobre como a sociedade se reproduz, estudando principalmente a escola como elemento de reprodução das desigualdades sociais e não como possibilidade de mobilidade social. Criticou a idéia de opostos: Sociedade x Indivíduo / Estrutura x Função (práticas, estratégias, disposição) e para substituí-la criou conceitos fundamentais como Campo e Habitus.

[...] Bourdieu vai observar que a sociedade se constitui de variados campos, estes, mundos sociais relativamente autônomos (religioso, político, artístico, científico, filosófico, da arte, jornalístico, masculino, etc.). Caracterizar os campos como autônomos implica em considerar que neles há um modus próprio de atuação, o que implica também a idéia de que a atuação do agente no campo é estruturada e estruturante. [...] Tal idéia remonta a se pensar que Bourdieu substitui a luta de classes, motor da história em Marx, pala luta de classificações – derivadas do capital econômico e do capital cultural, motor da lógica do espaço social. (MOCELIN, 2010)

[...] o conceito de habitus que ele desenvolverá ao longo da sua obra corresponde a uma matriz, determinada pela posição social do indivíduo que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas situações. O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas. (VASCONCELOS, 2002)


Analisando a sociedade como organizada por meio de campos, defende que dentro destes emerge o que nomeia por Capital Simbólico, uma espécie de prestigio que o individuo acumula no campo, hierarquizando posições em seu interior, podendo o individuo ocupar o lugar de dominado ou de dominante. A estrutura do campo, dada pelo capital simbólico, pode ser alterada por embates de forças oriundas de seu próprio interior. Mesmo que haja a intenção de mudar determinada realidade para melhor, sempre haverá resistência para sua conservação, para sua manutenção.
No que diz respeito ao campo científico – tema da aula – Bourdieu acredita que há um valor intrínseco na ciência, que é encontrar uma verdade; no entanto, afirma que há uma luta pelo capital simbólico no campo científico.
Ele não estuda as práticas internas da ciência tal como Latour, mas identifica que a ciência resulta de uma pratica social como qualquer outra, pautada pela luta dos cientistas por reconhecimento.
Também foi levantada nesta sessão a afirmação de Bourdieu segundo a qual a noção de revolução de Kuhn não valeria na atualidade, posto que as normas mais rígidas de controle na ciência trariam mais dificuldades de ocorrer mudanças; no caso, estas só ocorreriam por motivos externos. Por outro lado, foi dito que o físico Max Planck, que desenvolveu a teoria quântica passou 30 anos querendo desmenti-la, pois estava contra seus princípios.

Referências da disciplina
BOURDIEU, Pierre. O campo cientifico. In: ORTIZ, R. (Org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983, p. 122-155.
_______. A causa da ciência. Como a historia social das ciências sociais pode servir ao progresso das ciências. Florianópolis: PPGSP, Política & Sociedade, n. 1, setembro de 2020, p. 144-161.

Outras referências
AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Espaço social, campo social, habitus e conceito de classe social em Pierre Bourdieu. Disponível em: . Acessado em: 24 out. 2010.

MOCELIN, Daniel G. Pierre Bourdieu: a prática social entre o campo e o habitus. Disponível em: . Acessado em: 24 out. 2010.

VASCONCELOS, Maria Drosila. Pierre Bourdieu: a herança sociológica. Disponível em: . Acessado em: 24 out. 2010.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Há na Revista Escola uma edição que apresenta as idéias de Bourdieu e sua influencia na área educacional. O titulo da matéria é: Pierre Bourdieu - O investigador da desigualdade. A biografia abaixo apresentada foi tirada do mesmo sitio.
O link é < http://revistaescola.abril.com.br/historia/fundamentos/pierre-bourdieu-428147.shtml >
Biografia
Pierre Bourdieu nasceu em 1930 no vilarejo de Denguin, no sudoeste da França. Fez os estudos básicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951, ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreira acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a função de assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983) na Faculdade de Letras de Paris e, simultaneamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Bourdieu publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de la Recherche en Sciences Sociales e Liber. Em 1982, propôs a criação de uma "sociologia da sociologia" em sua aula inaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes. Quando morreu de câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa européia. Um ano antes, um documentário sobre ele, A Sociologia É um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemas da França. Entre seus livros mais conhecidos estão A Distinção (1979), que trata dos julgamentos estéticos como distinção de classe, Sobre a Televisão (1996) e Contrafogos (1998), a respeito do discurso do chamado neoliberalismo.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Relatos da Sessão 8 - 14/10/10

Relatos da Sessão 8 - Tema: Dê-me um laboratório...

Por Cristian Stassun

LOCALIZAÇÃO DO AUTOR
Bruno Latour (Beaune, 22 de junho de 1947) é um filósofo e antropólogo francês. A sua principal contribuição teórica é - ao lado de outros autores, como Michel Callon - o desenvolvimento da ANT - Actor Network Theory (Teoria ator-rede) que, ao analisar a atividade científica, considera, enquanto variáveis, tanto os atores humanos como os não-humanos, estes últimos devido à sua vinculação ao princípio de simetria generalizada. É conhecido pelos seus livros que descrevem o processo de pesquisa científica, dentro da perspectiva construtivista, que privilegia a interação entre o discurso científico e a sociedade; vale destacar Vida de Laboratório (com Steve Woolgar), Jamais Fomos Modernos e Ciência em Ação. Latour possui doutorado em Filosofia e atualmente é professor do Institut d´Études Politiques de Paris e da Universidade da Califórnia em San Diego. Realizou estudos etnográficos na África e na América, mas sua etnografia mais conhecida foi feita no Laboratório de Neuroendocrinologia do Instituto Salk, na Califórnia, a qual deu origem ao livro Vida de Laboratório, o qual foi inicialmente discutido na aula. (Fonte: Wikipédia).

LOCALIZAÇÃO DA OBRA
A Vida de Laboratório – A produção dos fatos científicos – Bruno Latour e Steve Woolgar
“Como ocorre a produção de fatos científicos? No mundo, a Antropologia já estudou tribos, costumes exóticos, representações simbólicas, tradições populares e os cultos mais complexos. Mas a indústria, a técnica, a ciência e a administração pouquíssimas vezes foram estudados. Ninguém imagina como é o dia-a-dia de um laboratório – técnicos que entram e saem, pesquisadores debruçados em suas bancadas e pilhas de papel, instrumentos, materiais, substâncias químicas e animais que chegam a todo momento, milhares de dólares gastos a cada dia e, talvez, algum mistério decifrado. “Um quebra-cabeça quase terminado guiado por um campo invisível”, define o etnólogo francês Bruno Latour, que se uniu ao sociólogo inglês Steve Woolgar para analisar a produção social do objeto científico. Assim nasceu este estudo inédito sobre a vida de laboratório e a produção dos fatos científicos.”

RELATO AULA
Os alunos chamam a atenção para a discussão do início do livro, no capítulo Etnografia das Ciências (razão de ser da etnografia de um laboratório).
Edson afirma que há várias maneiras de se dizer, polissemia, mas sempre se fala de diferentes lugares. O cientista falando de determinado papel e o cientista fazendo ciência. A etnografia romperia a metalinguagem e levaria a analisar a prática do laboratório sem a rebuscada máscara dos termos e tecnicismos.
Tamara esclarece que esse texto é essencialmente metodológico. Defende a necessidade de se respeitar a linguagem dos  interlocutores, sem reinterpretá-la por outro autor, entendendo que as assertivas do autor estão sob um contexto específico.
O texto explica como é possível estudar os atores sem se tornar um cientista, mantendo um distanciamento, sem incorporar a linguagem dos atores como sua, ou como verdadeira ou falsa. A estratégia é a etnografia que não assume a teoria estudada, apenas descreve as atividades de determinados grupos e populações.
Latour não pretende estudar a ciência feita (“pronta e velha”), o que já está naturalizado pelo discurso científico, mas investir na construção da ciência, na ciência enquanto se fazendo.
Tamara descreve em seguida o conteúdo dos capítulos do livro, lembrando que em cada um deles Latour assume uma identidade diferente, o que irá condicionar o seu olhar, ou suas práticas de investigação.

Capítulo 2 – O antropólogo -  O capítulo descreve a visita de um antropólogo em um laboratório. Prática de ler e anotar.
                   
Capítulo 3 – O historiador - Explica a trajetória da substância pesquisada no laboratório, viajando livremente no passado. Estudo de uma enzima específica.

Capítulo 4 – O etnometodólogo - Faz a etnografia dos cientistas, quem é quem, quem fala o que, qual a hierarquia das pessoas. Microssociologia dos fatos através dos ditos e fatos no laboratório.

Capítulo 5 – O sociólogo, dos mais clássicos que existem
Análise da credibilidade científica, capital científico. Não basta dizer, tem que saber quem disse. Trajetórias dos autores, currículo.
Conclusão
A ordem criada a partir da desordem. Os cientistas buscam sempre a ordem do universo, não entendendo que o próprio contexto científico e universo vive na desordem e somos nós que tentamos forjar padrões comportamentais, naturais e fixos.

TEMAS “SOLTOS”
Latour agradece ao chefe do laboratório que o autorizou a fazer a etnografia, cujo desinteresse tornou-a possível. No entanto, lembra que ele era francês, da sua região. Isso talvez tenha facilitado o seu aceite.
Estudar o laboratório é estudar toda a rede na qual ele está contido. Latour reconhece que não faz isso – pois só se fixou no laboratório – o que significa um limite no seu trabalho.

Creio que vale a pena reproduzir aqui o texto nas “orelhas” do livro.

"Ciência" é uma palavra em alta nas sociedades ocidentais (ou em todo o mundo "globalizado", o que dá na mesma). Uma lavagem de tapete, um corte de cabelo, um mapa astral ganham outro estatuto quando se afirma que são "científicos". Dessa forma, determinar o modo como a ciência é produzida, transmitida e exportada é tarefa essencial para a compreensão da sociedade contemporânea.
Das diferentes formas de se aproximar da ciência, a mais tradicional tem sido o estudo da estrutura do suposto "método científico". Os resultados tanto no domínio da filosofia como no da história ou da sociologia da ciência, parecem pouco convincentes. A ciência, central para o progresso, evolui, mas fica difícil atribuir seu sucesso a um método, a um conjunto de regras que todos os participantes do "jogo científico", tácita ou explicitamente, concordam em seguir.
Nos anos 70, pesquisadores tentam uma nova tática: estudar a atividade dos cientistas do mesmo modo que antropólogos estudam comunidades isoladas e distantes. Latour é um dos pioneiros nessa vertente, por sua clareza, acessibilidade e escolha de bons problemas para estudo, ultrapassou o círculo restrito a especialistas e alcançou reconhecimento mais amplo. Hoje, é um autor do qual se pode discordar, com cujos escritos se pode polemizar, mas é impossível não ter posição a seu respeito. E isso não é o suficiente para atestar sua relevância. A idéia de uma antropologia da ciência parece, de saída, um tanto imprópria. Faz-se antropologia de comunidades ditas primitivas ou simples, ou de subgrupos ditos mais ou menos homogêneos e simples dentro de uma sociedade complexa. Mas, e fazer antropologia da comunidade científica, do grupo por definição (não importa aqui se isso é verdade ou não) mais evoluído, racional e complexo do planeta? Os resultados com que Latour emergiu desses estudos antropológicos têm pouco a ver com a imagem que a própria comunidade científica tem de si e divulga externamente. Estudando os "nativos" (Latour foi antropólogo residente em um laboratório de bioquímica, na Califórnia, nos anos 70), o autor mostra que a essência da atividade científica é criar enunciados e subtrair-lhes modalidades (a partir do enunciado "X acha que a substância Y é responsável pelo efeito cuja medida é Z", criar o enunciado "Y causa Z") e transladar interesses, isto é, a comunidade acadêmica deve sempre aumentar as alianças entre seus membros e entre estes, seus equipamentos e o "mundo objetivo"; para isso, é preciso que todos se transformem no processo. Seu livro Vida de laboratório examina tais translações, mas é em Ciência em ação que as pesquisas antropológicas ganham dimensão de teoria geral acerca do funcionamento da ciência moderna.
Se os estudos nessa vertente antropológica - e a ambiciosa teoria daí derivada - vão ter resultados mais convincentes no que diz respeito ao estranho sucesso humano em compreender o mundo, ainda é cedo para saber. Mas é evidente desde já que o enfoque é original e ajuda a esclarecer o trânsito conturbado das vias que ligam ciência e sociedade.

Sumário do capítulo estudado:

Capítulo 3 - Máquinas
Introdução - As incertezas do construtor de fatos
Parte A - Translação de interesses
Parte B - Mantendo na linha os grupos interessados
Parte C - Modelo de difusão versus modelo de translação

RELATO DE AULA

Conceito central do capítulo: translação ou tradução, que significa a representação que uma pessoa tem de um determinado fato ou ideia. Quando o fato aceita a tradução, ou seja, se comporta de acordo com ela, diz-se que ele foi alistado.

Você pode afirmar, por exemplo, que a lua é feita de queijo, porém a verdade no seu argumento dependerá do conjunto de pessoas que irão acreditar em você e lhe citar.
“Precisamos de outras pessoas que nos ajudem a transformar uma afirmação em fato” (p.178).

Descrição sobre a história do motor Diesel e do post-it.

O meio científico é como um jogo de rúgbi, afirma Latour, você tem que está inserido em um grupo, convencer grupos que pensam igual ou não a você, envolver, seduzir as pessoas. São essas pessoas que ajudam na construção de um fato.

Um cientista é, assim, sobretudo um construtor de fatos:

“A tarefa do construtor de fatos está agora claramente definido: há um conjunto de estratégias para alistar e interessar os atores humanos e um segundo conjunto para alistar e interessar os atores não-humanos a fim de conservar os primeiros. Quando essas estratégias têm sucesso, o fato construído se torna indispensável; é ponto de passagem obrigatória para todos quantos quiserem promover seus próprios interesses. Pouco numerosas e indefesas no início, a ocuparem alguns pontos fracos, essas pessoas acabam depois controlando verdadeiras fortalezas. Todos adotam as afirmações ou os protótipos das mãos de contendores bem-sucedidos. Consequentemente, as alegações se transformam em fatos indiscutíveis e os protótipos são transformados em peças de uso rotineiro. A cada nova pessoa que acredita na alegação, a cada novo consumidor que compra o produto, a cada artigo ou livro em que o argumento é incorporado, a cada motor em que a caixa-preta é embutida, a sua propagação vai ocorrendo no tempo e no espaço.”(p.218)

Ao final da aula, Tamara expôs transparências com o conteúdo dos apêndices do livro.

APÊNDlCE 1
REGRAS METODOLÓGICAS

Regra l. Estudamos a ciência em ação, e não a ciência ou a tecnologia pronta; para isso, ou chegamos antes que fatos e máquinas se tenham transformado em caixas-pretas, ou acompanhamos as controvérsias que as reabrem.
(Introdução)

Regra 2. Para determinar a objetividade ou subjetividade de uma afirmação, a eficiência ou a perfeição de um mecanismo, não devemos procurar por suas qualidades intrínsecas, mas por todas as transformações que ele sofre depois, nas mãos dos outros. (Capítulo 1)

Regra 3. Como a solução de uma controvérsia é a causa da representação da Natureza, e não sua consequência, nunca podemos utilizar essa consequência, a Natureza, para explicar como e por que uma controvérsia foi resolvida. (Capítulo 2)

Regra 4. Como a resolução de uma controvérsia é a causa da estabilidade da sociedade, não podemos usar a sociedade para explicar como e por que uma controvérsia foi dirimida. Devemos considerar simetricamente os esforços para alistar recursos humanos e não-humanos. (Capítulo 3)

Regra 5. Com relação aquilo de que é feita a tecnociência, devemos permanecer tão indecisos quanto os vários atores que seguimos; sempre que se constrói um divisor entre interior e exterior, devemos estudar os dois lados simultaneamente e fazer urna lista (não importa se longa e heterogénea) daqueles que realmente trabalham (Capítulo 4)

Regra 6. Diante da acusação de irracionalidade, não olhamos para que regra da lógica foi infringida nem que estrutura social poderia explicar a distorção, mas sim para o ângulo e a direção do deslocamento do observador, bem como para a extensão da rede que assim está sendo construída. (Capítulo 5)

Regra 7. Antes de atribuir qualquer qualidade especial à mente ou ao método das pessoas, examinemos os muitos modos como às inscrições são coligidas, combinadas, interligadas e devolvidas. Só se alguma coisa ficar sem explicação depois do estudo da rede é que deveremos começar a falar em fatores cognitivos. (Capítulo 6)


APÊNDlCE 2
PRINCÍPIOS

Primeiro principio. O destino de fatos e máquinas está nas mãos dos consumidores finais; suas qualidades, portanto, é consequência, e não causa, de urna ação coletiva. (Capítulo 1)

Segundo princípio. Os cientistas e engenheiros falam em nome de novos aliados que conformaram e alistaram; representantes entre outros representantes, com esses recursos inesperados, fazem o fiel da balança de forças pender em seu favor. (Capítulo 2)

Terceiro princípio. Nunca somos postos diante da ciência, da tecnologia e da sociedade, mas sim diante de urna gama de associações mais fracas e mais fortes; portanto, entender o que
são fatos e máquinas é o mesmo que entender o que as pessoas são. (Capítulo 3)

Quarto princípio. Quanto mais esotérico o conteúdo da ciência e da tecnologia, mais elas se expandem externamente; portanto, "ciência e tecnologia" é apenas um subconjunto da tecnociência. (Capítulo 4)

Quinto princípio. A acusação de irracionalidade é sempre feita por alguém que está construindo uma rede em relação a outra pessoa que atravessa seu caminho; portanto, não há Grande Divisor entre mentes, mas apenas redes maiores ou menores. Os fatos duros não são regra, mas exceção, visto serem necessários em poucos casos para afastar um grande número de pessoas de seu caminho habitual. (Capítulo 5)

Sexto princípio. A história da tecnociência é, em grande parte, a história dos recursos espalhados ao longo das redes para acelerar a mobilidade, a fidedignidade, a combinação e a coesão dos traçados que possibilitam a ação a distancia.


Por Felipe Pontes

1 – Ciência na Periferia: a luz síncroton brasileira. Tese de Doutorado defendida no Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), por Marcelo Baumann Burgos. Ele trabalha atualmente na PUC-RJ.
Neste estudo, o autor faz uma construção histórica da intelligentsia brasileira, fundamentando sua exposição em autores já trabalhados nesta disciplina, como Merton, Manheim, Bloor, Latour, etc. O projeto da Luz Síncroton é um caso que ilustra essa construção histórica, visto que, na posição do autor, demonstra uma mudança no comportamento dos cientistas brasileiros. Fundamentalmente, estes ultrapassam as barreiras do mundo universitário e do patrocínio exclusivo do Estado para buscar apoio no mercado e na sociedade civil.

2 – A Vida de Laboratório: a produção dos fatos científicos. De Bruno Latour e Steve Woolgar.
Bruno Latour é francês, coordenou o Centro de Estudos da Inovação da École des Mines, em Paris. Teve várias formações (Sociologia, Antropologia, etc). Ele fez etnografia de tribos na África (Costa do Marfim), seguindo Marc Augé. Hoje leciona no Institut d´Études Politiques de Paris, na França, trabalhando na formação de cientistas políticos e administradores. Woolgar é um sociólogo britânico.
Esse livro alcançou muita notoriedade. Sua primeira edição é de 1979. É considerado o primeiro estudo antropológico em laboratório, publicado. Tendo por objeto o Instituto Salk, Latour resolveu aplicar a metodologia etnográfica para estudar a “tribo” dos cientistas. Totalmente estranho ao ambiente, passou dois anos observando suas práticas. Seu parceiro de pesquisa, Woolgar, participou sobretudo da redação final do texto.

O aspecto mais debatido em sala e visto como mais interessante foi a exposição metodológica do trabalho. Um dos problemas metodológicos trazidos é o da linguagem da obra. Como ler os fatos dos cientistas sem entrar totalmente na linguagem deles? Os autores assumem a etnometodologia, e colocam-se numa posição de distanciamento dos atores para não se tornarem reféns da argumentação dos cientistas.

Destaca-se, ainda no plano metodológico, a utilização do conceito de simetria do Programa Forte, tentando transpô-lo ou radicalizá-lo. A obra destaca o caráter social da ciência, mas preocupa-se em tentar entender os códigos esotéricos dessa atividade. A ciência para Latour seria mais do que seu aspecto cognitivo. Outro aspecto enfrentado é a cisão epistêmica das Ciências Humanas e Naturais, tomando-se como um desafio não separar sociedade e natureza, Sociologia e Ciência. O sociólogo da ciência pode e deve entrar na explicação das duas áreas, sem aceitar a oposição entre uma e outra.

Retornando à questão da linguagem no debate, destaca-se a frase: “Faça o que quiser, mas não faça da linguagem deles (os atores estudados) a sua metalinguagem”. O sociólogo da ciência deve ir contra a linguagem do informante e da própria sociologia. Seguir os atores, mas não reinterpretar os discursos desses atores (a partir de uma teoria), nem utilizar a linguagem de defesa deles. Segui-los, mantendo a distância.

Isso leva, necessariamente, a um trabalho descritivo. Uma boa descrição é um trabalho importante, uma vez que se torna ferramenta para pensar a ciência em construção, a ciência enquanto ela se faz. A ciência feita já passa a ser naturalizada, o que não interessa ao sociólogo. Quando estuda Pasteur, Latour retorna ao processo de construção da ciência para aquele pesquisador, focalizando as controvérsias de que foi objeto.

Quando se dirige ao laboratório, o sociólogo da ciência observa que existem várias salvaguardas antes de se chegar ao fim da experiência. Há vários atores responsáveis por observar, anotar e sistematizar todo o conhecimento sobre a natureza. Como ressaltou um colega da classe, o laboratório trabalha na prática para resolver um problema filosófico: a bifurcação da natureza, que precisa ser reinventada na experiência. É a tentativa de unir a natureza em seu próprio lócus à natureza experimentada no laboratório.

Outro aspecto metodológico destacado foi o da reflexividade, ou seja, tudo que um pesquisador da ciência disser sobre outra ciência será válido para a dele.
Posteriormente, a professora realizou um passeio pelos capítulos do livro. A cada capítulo os autores assumem um personagem metodológico diferente. Depois do primeiro capítulo de exposição do método, o capítulo 2 evidencia a prática etnográfica de anotar tudo. Seria a máxima de observar o laboratório como se observa uma tribo Bantu. Ou seja, colocando-se como total ignorante dos códigos, processos e dispositivos. O capítulo 3 é tratado por um historiador em guerra contra a Epistemologia. Para isso, faz a leitura de toda bibliografia sobre a enzima pesquisada, faz a história do objeto. Assim, verifica como foi sendo construído um fato importante a ser pesquisado. O capítulo 4 é trabalhado por um etnometodólogo atento à linguagem dos cientistas e que realiza uma micro-sociologia dos fatos. No capítulo 5, entra em cena o sociólogo mais clássico que possa existir. Trata do significado do capital científico e da credibilidade construída, bem como dos limites do reconhecimento. O capítulo 6 serve para reconciliar a “equipe” e trabalhar para fechar a questão da reflexividade. Na conclusão, os autores buscam a ordem criada a partir da desordem. O estudo não pode dizer que o trabalho dos cientistas sociais é superior ou inferior a nenhum outro. Em um sentido, não deixa de ser um tipo de ficção. “A única diferença é que os cientistas têm um laboratório”.
A professora também citou artigo de Latour “A referência circulante” no livro “A esperança de Pandora”. Nele, Latour segue pedólogos, biólogos e demais cientistas para descrever o sistema de referenciação do trabalho científico, ou seja, a produção técnica e científica que ajuda na classificação das coisas. Como transformar a natureza em palavras? A ciência traduz todo o trabalho de campo em palavras.

Outro caso citado foi o de Lissenko, como um exemplo de como a interferência de questões políticas e ideológicas é ruim para a ciência. No caso, Stalin apostou fundos em um pesquisador que considerava a genética ocidental algo burguês e que precisava ser abandonada pela política científica comunista. Isso se revelou um problema falso que causou grandes prejuízos à União Soviética.

Foi destacada também a necessidade de inscrever Latour na prática da etnografia para tentar compreendê-lo. A dificuldade em aplicar seu modo de estudo a outros objetos está na metodologia e não na teoria. Ainda que defenda realizar a extensão do laboratório para a compreensão da rede, Latour estuda o laboratório e não a rede.
Uma das críticas a Latour abordada em sala foi a do livro “Imposturas Intelectuais”, de Alan Sokal. A obra critica vários autores, inclusive Latour, denunciando pesquisas que não levariam a ciência a sério. Sokal indica um abuso de conceitos da ciência apropriados pela filosofia, principalmente por autores da Pós-Modernidade. Ele critica especialmente a linguagem de artigos e obras que fazem uma analogia incorreta entre ciências naturais e humanas. Nesse parêntesis, ficou destacado a pouca profundidade com que Sokal trata os autores criticados, tomando como exemplo a obra de Latour – criticado no livro de Sokal apenas a partir de um artigo.
“Dica” da Professora: o filme Medidas Extremas (com Harrison Ford), que mostra a questão do financiamento da pesquisa, envolvimento de laboratórios, etc.

3 – Ciência em Ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. De Bruno Latour.
A obra trata dos caminhos que a pesquisa toma (ou perde) para chegar a uma descoberta. Os fracassos e as crises. A apropriação que outros pesquisadores fazem do próprio instrumento de uma invenção (no caso do texto, foi descrito o caso do desenvolvimento o motor de Diesel).

É possível fazer ciência sozinho? Latour diz que não. São necessários aliados. O problema é como conseguir os aliados e como controlar as opiniões desses aliados. Como aceitar a ajuda, mas não perder o controle do que foi feito originalmente? Um risco é perder o crédito por ter feito ou ter tido a ideia para realizar aquele artefato, mas outro é não ter conseguido os aliados necessários para materializar a ideia.

Um dos conceitos principais trabalhados no livro é o de translação (tradução das ideias). Tem semelhança com o conceito de representação, próprio da Psicologia. A translação é a interpretação que uma pessoa tem de um determinado fato ou de uma determinada ideia. A partir disso, é preciso situar os termos e conceitos dentro de contextos que “aceitem” a translação feita (diz-se então que houve um alistamento). Todo conceito é uma tradução. E um conceito bom é aquele que convence.

O que seria o conhecimento para Latour? Em uma tentativa de resposta da professora e da turma, aceitou-se que o conhecimento não está escondido para ser descoberto. Ele é construído, negociado. Ele é aceito como conhecimento pelos outros. O conhecimento é acumulativo em parte, visto que há descartes. Por isso, o autor define estratégias essencialmente políticas de convencimento de outras pessoas e do controle das opiniões delas sobre determinado conceito ou artefato.

Uma ideia criticada em sala foi a de difusão. Por exemplo, a apropriação de tecnologia de países centrais por países periféricos leva a uma adaptação dos artefatos, construindo-se, praticamente outros. Os aliados é que vão definir as relações fortes e fracas. “Entender o que são fatos e máquinas é o mesmo que entender quem são as pessoas”. LATOUR, 2000, p. 232).

Uma ótima síntese do livro pode ser encontrada nos apêndices “As regras metodológicas” e “Princípios”.

Problema da teoria dele: cada caso é um caso. Cada Estudo de Caso não faz avançar tanto a teoria. Outro aspecto levantado por uma colega, é que se torna muito difícil limitar a rede. Como e onde seguir a rede? Latour ficaria obscuro no momento de aplicação. A professora defende que Latour traz importantes operantes para descrever o processo de produção da ciência.

Um colega destacou, por fim, outros livros de Latour: “Jamais fomos modernos” e “Políticas da Natureza”. Neles o autor trabalha questões importantes ligadas à epistemologia, à modernidade e ao estatuto da verdade.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Mensagem+IBM

Segue abaixo vídeo enviado pelo Karlo, cujo conteúdo está relacionado com o que estamos discutindo nas aulas. Segundo ele, o vídeo - feito pela IBM - trata de "avanços tecnológicos que irão alterar – na verdade já estão alterando – as formas de relacionamento entre as pessoas e as formas como se produz ciência".

O que acham? Comentários serão bem vindos!!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Relatos da Sessão 7 - 6/10/2010

Relatos da Sessão 7 - Tema: A perspectiva construtivista ou sociotécnica

Por Manuel Franco Avellenada

A aula esteve dividida em três partes, assim: na primeira parte, retomaram-se algumas questões sobre a sessão anterior relacionadas com a linguagem; neste sentido, se mencionou a importância do estudo da linguagem na ciência e se referenciaram os trabalhos de Austin. De outro lado, fizeram-se rápidas apresentações sobre atividades realizadas pelos integrantes do grupo que não estiveram na sessão anterior, situação que levou à descrição rápida das propostas de ciência pós-normal, de Silvio Funtowicz, e de sistema-mundo, de Immanuel Wallerstein.

Na segunda parte, se começou com a apresentação de alguns dados biográficos sobre os autores do texto proposto para a aula, a saber: Trevor Pinch, que é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Cornell, e atualmente trabalha sobre as tecnologias da música; e Wiebe E. Bijker, que é professor da Universidade de Maastricht, na Holanda, e tem trabalhando em diferentes temas, tais como, o desenvolvimento da bicicleta, o desenvolvimento das lâmpadas fluorescentes, entre outros. Foram ainda apresentados alguns dados biográficos de Thomas Hughes – co-organizador da coletânea onde a versão original do artigo estudado foi publicada – que é professor emérito da universidade de Pennsylvania e tem um livro muito importante sobre os sistemas tecnológicos – “Networks of Power: Electrification in Western Society, 1880-1930” – o qual mostra os conflitos e os interesses envolvidos na construção do sistema de geração e distribuição de energia elétrica nos EUA e na Europa.

Especificamente relacionado com o texto, discutiram-se os elementos principais da metodologia de análise proposta, a qual reconhece a construção social da tecnologia como um modelo complexo, opondo-se ao modelo linear de inovação, baseado na idéia que se parte da ciência básica e se segue uma linha de desenvolvimentos aplicados até se chegar à utilização dos artefatos. Neste sentido, estes autores propõem os seguintes conceitos: Grupos sociais relevantes, que são aqueles mais diretamente interessados numa inovação dada; esses com freqüência são difíceis de identificar, mas têm a vantagem de ser uma categoria mais fácil de usar do que a categoria sociedade; Flexibilidade interpretativa, que remete às múltiplas interpretações para os achados científicos; Estabilização e fechamento da caixa preta, que se refere ao momento em que as controvérsias diminuem, pois começa a estabilização de uma idéia/construção de um artefato (movimento que é compartilhado pelos grupos relevantes). para isto joga especial importância a mídia. Além disso foi discutido o conceito de estrutura tecnológica.

Finalmente, com respeito à proposta destes autores, se mencionaram algumas dificuldades, tais como: a identificação dos grupos relevantes e o seu nível de participação, bem como a complexidade da análise quando a “caixa preta” não está fechada.

A terceira parte da aula abordou o texto publicado pela professora Benakouche, o qual foi escrito depois de seu estágio de pós-doutorado nos EUA. Este artigo recolhe de maneira muito pedagógica três correntes relacionadas com a sociologia da técnica, as quais compartilham uma nova metáfora – “abrir a caixa preta” da técnica – além de criticar o determinismo tecnológico, quais sejam:

1. Os grandes sistemas tecnológicos. O historiador Thomas Hughes pode ser considerado seu principal representado; esta proposta introduz conceitos, tais como: Reverse salient, que tem relação com os grandes obstáculos que defronta um sistema no processo de implementação, situação que na maioria dos casos movimenta importantes invenções, ao se tentar corrigir esses problemas. Outro conceito amplamente discutido na aula foi “Momentum”. Na discussão realizada, apareceram duas idéias para defini-lo: a primeira estaria relacionada com o momento no qual um produto tem sucesso, e a segunda acredita que este se refere ao momento no qual o sistema se expande rapidamente, atingindo “autonomia”. Do outro lado, com respeito à noção de sistema, assinalou-se que o mesmo, por definição, torna necessário um ambiente, razão pela qual é difícil identificar os limites de um sistema. Essa situação não existiria na idéia de rede, pois, nesse caso, “se está ou não se está associado” e a interação dependeria das relações entre as entidades (fortes ou fracas)

2. A tecnologia como construção social, que refere à proposta dos autores abordados na primeira parte da aula. Além do dito acima sobre esta proposta, se enfatizaram os seguintes pontos: a idéia de simetria, que permite explicar tanto as técnicas que dão certo como as que fracassam; a possibilidade de explicar as mudanças tecnológicas e as estabilizações; e a rejeição a se fazer distinções a priori entre o social, o técnico, o político/econômico. Foi também feita uma pequena discussão sobre o risco, que pode ser resumida na pergunta: quanto seguro é suficientemente seguro?

3. Enfim, abordou-se a noção de tecnologia como rede, perspectiva cujos principais representantes são Bruno Latour, Michel Callon e John Law. Eles propõem que é possível fazer uma análise ao mesmo tempo social e tecnológica, baseada nos envolvimentos entre atores humanos e não-humanos que estão numa rede (ator-network). Os principais elementos metodológicos discutidos foram: o conceito de “Tradução”, o qual tem correspondência com a idéia de flexibilidade interpretativa; e o conceito de associações, que dará depois o nome à proposta latouriana de uma sociologia das associações. Finalmente, foi assinalado o problema da linguagem que enfrenta esta proposta, pois se torna necessário propor novas palavras para designar conceitos emergentes, que traduzam a não-separação entre técnica e sociedade: por exemplo, “actantes” que substitui “atores”, e que serve para nomear tanto elementos humanos como não-humanos de uma rede.

Por Vanessa Delazeri Mocellin
O questionamento inicial que podemos levantar e que mais me chamou atenção durante a referida aula foi o fato de ainda não se entender ciência e tecnologia como duas vias mútuas e que andam juntas. Essa idéia aparece em ambos os textos trabalhados e merece aqui uma maior atenção: fica claro que não se concorda com a idéia de que a ciência e a tecnologia são totalmente distintas, nem também que a tecnologia é ciência aplicada; contudo, há também comumente a idéia de que a ciência e a tecnologia são a mesma coisa, quando não são. A idéia apresentada é que ambas andam juntas, e que a tecnologia pode ser entendida sociologicamente como sendo construída da mesma forma que a ciência. Isto permite fugir da idéia de impacto tecnológico – como se a tecnologia fosse uma entidade com vida própria – e sustentar a idéia de que a tecnologia pode ser entendida como parte da sociedade. É isto que nos mostra os autores Pinch e Bijker, quando defendem o construtivismo social da tecnologia, ou as três correntes da nova Sociologia da Técnica, tal como apresentadas pela professora Tamara em seu artigo, que são: a tecnologia como sistema, a tecnologia como construção social, e, finalmente, a tecnologia como rede.

É importante ressaltar aqui que a luta entre o pensar e o fazer sempre existiu; contudo se faz necessário, ao menos nos tempos atuais, pensar ciência e tecnologia através da idéia de que são interdependentes: uma dá apoio à outra, ou seja, a ciência dá apoio ao desenvolvimento das tecnologias e as tecnologias ao desenvolvimento das ciências. Esta interdependência, no entanto, é norteada por muitos conflitos e negociações, e nem sempre são feitas de forma linear, inclusive no sentido de divisão de trabalho dos cientistas e dos tecnólogos – em linguajar mais comum, quem trabalha pra quem? Não é possível definir.

Tais negociações não ocorrem somente na relação entre ciência e tecnologia, mas também na própria criação de uma determinada tecnologia, desde sua invenção até seu aprimoramento e consumo. Nesse sentido, Pinch e Bijker apresentam conceitos que definem um processo tecnológico como construído socialmente – os quais têm por pano de fundo a corrente que defendem: o construtivismo; tais conceitos são: grupos sociais relevantes, flexibilidade interpretativa e fechamento. O primeiro refere-se aos grupos diretamente envolvidos na construção de um artefato, seja por seu interesse a favor ou contra o determinado artefato; o segundo refere-se às possíveis interpretações que tal artefato pode ter durante o processo de construção, seja através dos materiais utilizados, por sua forma, conforto ou segurança – este foi o caso na construção do artefato bicicleta que conhecemos hoje; e o terceiro refere-se à conclusão desse processo de discussão sobre a melhor forma e funcionamento do artefato frente aos diversos interesses – deseja-se agradar a todos, para que todos possam consumir – no qual se estabelece uma “forma definitiva” – mesmo que momentaneamente, ao menos até que se surjam novas idéias e que causem nova discussão – para tal artefato, fechando-se, assim, a história de sua construção.

Assim, fica claro que existem interesses que determinam o desenvolvimento de um artefato, ou seja, que a mudança nos constituintes de tal artefato sofre influência dos grupos sociais ditos relevantes, e que cada grupo social relevante tem a urgência de que seus problemas com o artefato sejam enfrentados e que para cada problema existam soluções.

Já o texto da professora Tamara traz três abordagens que visam apresentar alternativas ao uso da noção de impacto tecnológico, como já foi mencionado. Sua crítica ao conceito de impacto tecnológico consiste em considerar que o mesmo é muito determinista e que falsifica de certa maneira o que é tecnologia – parece que a sociedade não se mexe e que a tecnologia simplesmente cai sobre as cabeças dos sujeitos sociais, sem que nenhuma intervenção tenha sido feita anteriormente. Sua crítica é sustentada pelas três abordagens que menciona em seu artigo (não entrarei em detalhes aqui sobre os conceitos de sistema e de rede, pois foram pouco trabalhados em aula), as quais, em resumo, afirmam que a tecnologia é e está inteiramente relacionada com a sociedade, e que todas as formas de associação desta – sistema ou rede, o conceito que for julgado mais completo – contribuem para a formação de uma tecnologia, seja por mediação do engenheiro que enfrenta a idéia, seja por quem financia a idéia, ou pelo usuário que a consumirá, por exemplo. Esta crítica de certa maneira invalida a idéia de que uma tecnologia é boa ou má devido apenas à formação do engenheiro; ou seja, formando-se um bom engenheiro se teria uma boa tecnologia? Não necessariamente!

Por fim, quero propor alguns questionamentos que tais textos me suscitaram:

1 - Quando se trata a tecnologia através do conceito de sistema e se propõe uma autonomia tecnológica através do conceito de “momentum”, nessa autonomia já não se encontraria o determinismo tecnológico? Desta forma seria mesmo a teoria sistêmica uma saída para a concepção de impacto tecnológico?

2 - Na teoria construtivista, o fechamento, mesmo que entendido como provisório, também não seria uma forma de determinar uma tecnologia? Afinal após o fechamento uma tecnologia é consumida e não há questionamentos sobre tal tecnologia – uma tecnologia dada é dada, geralmente não se questiona.

3 - Na teoria no qual o conceito de rede é chave, a proposta de não-humanos exercerem um papel e também poderem recusar papéis que lhes são atribuídos, não estaria tornando, de algum modo, estes não-humanos – que entendo como máquinas – em autônomos?