Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Relatos da Sessão 6 - 29/9/2010

Relatos da Sessão 6 - Tema: Da ruptura kunhniana ao programa forte

Por Edson Jacinski


Iniciamos a aula com comentário da Tamara sobre livro organizado por Michel Serres sobre a história das ciências, que problematiza modos convencionais (lineares...) de se fazer história da ciência e apresenta outros modos, mais controversiais (ex.: um artigo de Latour sobre a polêmica entre Pouchet e Pasteur sobre a geração espontânea...). Também houve um relato do Cristian sobre uma palestra da Paula Sibilia, num Congresso no Rio Grande do Sul, a qual tratou da passagem atual do culto ao corpo para o "culto ao cérebro", especialmente considerando que já existem pesquisas buscando formas de transferir informações do cérebro para um corpo clonado e, dessa forma, garantir nossa imortalidade... Tais pesquisas trazem muitos questionamentos, que envolvem terrenos bastante movediços como "consciência", estudos neurológicos, utopias suscitadas com o desenvolvimento científico e tecnológico (em especial nas áreas da informática e das pesquisas envolvendo clonagem...)

Thomas S. Kuhn

a) informações preliminares sobre Thomas Kuhn
Sua formação inicial foi Física teórica, mas encaminhou seus estudos para a História da ciência, tendo mantido significativa interlocução com áreas das Ciências sociais, como Psicologia (Gestalt), Sociologia, História, Política e outras, como Matemática. Entre autores significativos para sua obra estão Popper, Bachelard, Koyré, Saussure. Uma referência importante foi Fleck (a quem Kuhn faz menção explícita no seu prefácio), mas alguns fleckianos costumam levantar suspeitas sobre até onde ele serviu de inspiração ou se Kuhn fez plágio de sua obra... Em contraposição a tal argumento, alguns kunhianos alegam que Kuhn reuniu essas idéias de um modo inusitado e lhe deu outras características... A mesma controvérsia se deu em relação a Polanyi.
Alguns conceitos-chave de sua obra são: paradigma, revolução científica, incomensurabilidade, ciência normal, etc.

b) questionamentos sobre a obra de T. Kuhn

Paradigma: a comunidade científica acredita nele ou têm consciência que segue um determinado paradigma? Um primeiro aspecto a considerar é que o paradigma não se restringe apenas a uma teoria, mas inclui a questão metodológica, um modo de ver os problemas... Em relação à comunidade científica, a ênfase da análise kunhiana recai sobre a educação científica, os manuais de iniciação científica que formam os cientistas dentro de um determinado paradigma. A princípio, essa consciência de estar num determinado paradigma ou de existirem outros, ocorreria nos momentos de crise dos paradigmas, em que começam a surgir anomalias que não são resolvidas dentro do paradigma dominante. Esse talvez seja um momento propício para que essa consciência (histórica) esteja mais presente e advenham questionamentos sobre os próprios fundamentos (filosóficos) do paradigma.

As ciências sociais podem ser consideradas ciências?
A resposta negativa de Kuhn (seriam ciências pré-paradigmáticas envoltas em intermináveis dissensos...) em relação a essa questão não deixa de ter um aspecto irônico e paradoxal, na medida em que ele utiliza muitos dos conhecimentos das Ciências sociais para fazer sua análise social e histórica das “ciências maduras". Aliás, esse é outro aspecto a ser considerado: outros “cientistas sociais”, como Merton ou Mannheim, também mostraram aspectos sociais da ciência, mas não tiveram o mesmo reconhecimento ou repercussão junto à comunidade acadêmica que teve Kuhn... (aspecto que irá interessar posteriormente aos estudos latourianos das ciências...). Tal questão levou a se reconhecer algumas diferenças que se estabelecem em relação à avaliação da produtividade científica das ciências naturais e das ciências humanas como, por exemplo, o maior peso atribuído - nos coletivos das ciências naturais - para a produção de artigos científicos em vez de livros (individuais ou coletivos) em cada área de saber... A propósito dessa questão, Tamara lembrou palestra do famoso filósofo da ciência, Mário Bumge, na UFSC, em que afirmou a "não cientificidade" da Psicanálise.

Que área das ciências sociais já adquiriu um paradigma?
Esse questionamento foi trabalhado por Octavio Ianni, num artigo clássico, em que aborda “a crise dos paradigmas nas ciências sociais”. Num sentido mais amplo, no caso da Sociologia, são considerados paradigmáticos os autores da tríade “sagrada”: Marx, Durkheim e Weber. Outro aspecto considerado, a partir de A. Giddens, foi que a Sociologia pratica a “dupla hermenêutica: “os sociólogos interpretam a interpretação que os indivíduos fazem da sociedade”. Tal questão remete às próprias fronteiras tênues entre o conhecimento sociológico e conhecimento do senso comum... No caso das Ciências naturais, essas fronteiras parecem ser mais rígidas. No entanto, a obra kunhiana trouxe uma contribuição importante para dessacralizar esse território, questionando as concepções mais convencionais de racionalidade científica da tradição epistemológica. Seu entendimento de racionalidade estaria mais relacionado a uma concepão mais instrumental. Nesse sentido, talvez seja interessante leituras como a que Bourdieu fez de T. Kuhn (na obra “Para uma sociologia da ciência”), relacionando sua obra ao movimento da contra-cultura dos anos 60, especialmente por ter colocado em xeque o modelo de racionalidade científica ocidental.

David Bloor e o Programa Forte da Sociologia da ciência

Primeiramente, assistimos a um trecho de filme sobre Darwin (A Criação), em que ele descobre que Wallace havia publicado um artigo com idéias semelhantes às suas. Tecemos algumas considerações sobre o filme e outras produções audiovisuais que tematizam a ciência e a tecnologia (ex. filme “1984”, baseado em obra de G. Orwell, “Galileu Galilei” de B. Bretch, Giordano Bruno, Frankenstein, etc.), especialmente sobre o caráter controversial e o tom bélico que assumem os discursos científicos nesses momentos. Sobre as controvérsias da obra de Darwin nos EUA foi citado ainda o filme “O vento será sua herança”.

a) alguns dados biográficos de D. Bloor
Nasceu em 1942 na Escócia. Sua formação e seus estudos estiveram relacionados às áreas da Filosofia, Sociologia, Psicologia (doutorado) e Matemática. Desenvolveu o projeto chamado de “Programa Forte”, também conhecido como Escola de Edimburgo (Unidade de Estudos da Ciência da Universidade de Edimburgo), em parceria com outros sociólogos, dentre os quais Barry Barnes. Dentre os seus significativos interlocutores estão Popper, Kuhn, Wittgenstein, Latour

b) questionamentos sobre a obra de D. Bloor

Por que Programa Forte (PF)?
Primeiramente, porque pretendia ter um alcance maior do que chamaram “Programa Fraco” (R. Merton) da Sociologia da Ciência, que se limitava apenas às “externalidades” da questão, sem adentrar no território sagrado, isto é, nos aspectos cognitivos da ciência. Desse modo, o PF visava entender a ciência enquanto prática social ou “abrir a caixa-preta” da ciência. Uma das forma como tal intento se materializou foi através dos estudos etnográficos de laboratório (K.Knorr-Cetina e Latour). Outro aspecto é que o PF, através do princípio de simetria, procurou examinar sociologicamente não apenas os sucessos como os casos fracassados do conhecimento científico, aspecto que foi radicalizado posteriormente pelos estudos de Latour, Callon e outros. Foi ressaltado também o seu princípio da reflexividade: tudo o que se disser das outras ciências também deve ser aplicado à própria Sociologia da Ciência. Por exemplo, caso se considere a relatividade dos conhecimentos produzidos pelas outras ciências, isto também deve ser aplicado ao próprio conhecimento produzido pelos sociólogos da ciência...

A Sociologia da Ciência pode investigar o conteúdo do conhecimento científico?
Na perspectiva do PF todo o aspecto cognitivo é social e, portanto, a Sociologia da Ciência deve ocupar o lugar da Filosofia da Ciência. Tal questão irá provocar fortes reações nos coletivos da Filosofia da Ciência, contrapondo-se ao que seria considerado um reducionismo sociológico da racionalidade. Assim, um questionamento levantado foi em relação ao caráter não social da lógica, o que pode ser contestado a partir de considerações sobre as relações indissociáveis entre linguagem e pensamento... Outro aspecto a considerar é que esse embate Sociologia da ciência x Epistemologia também tem uma dimensão territorial, política (participação maior da população na produção científica e tecnológica; disputa por financiamento da ciência e tecnologia,etc.)
Um outro questionamento foi sobre a distinção entre valores epistêmicos e valores sociais na produção do conhecimento científico, cuja identificação pelo PF foi problematizada. Um exemplo de tal dilema foi a interrogação sobre a presença ou não de valores sociais na construção de aviões. Em parte, talvez, os parâmetros de segurança utilizados podem remeter a essa questão. De qualquer forma, parece estar em jogo as aporias densas envolvendo relações (deterministas ou não?)natureza x sociedade...Nessa mesma toada, foi levantada a questão sobre “a natureza do conhecimento científico”: estaria, por exemplo, a ciência vinculada à sua capacidade de previsão? (o que parece levar a reterritorializá-la ao campo epistemológico...). A esse propósito, Boaventura de Souza Santos considera que seja melhor falar em ciências e não em ciência, ou seja, não só as ciências sociais e naturais são diferentes, como entre as próprias ciências naturais há significativas diferenças que necessitam ser levadas em consideração.

Por Laura Guerrero

Na aula se discutiram dois textos: “A estrutura das revoluções científicas” de Tomas Kuhn e “Conhecimento e imaginário social” de David Bloor.
A aula começou discutindo o texto de Kuhn. Foi apresentada a bibliografia dele, dando-se ênfase na sua formação como físico e no seu interesse na História da ciência. Foi destacado o seu aporte na ruptura da visão linear na história da ciência e o seu conceito de Paradigma. Foi colocada a polêmica do possível plagio do Kuhn a outros autores como Ludwik Fleck ou Michael Polanyi. Mas, ainda que a obra de Kuhn possa ter muitos pontos em comum com outros autores, resulta importante resgatar que no seu livro, quando ele trata das revoluções cientificas, foi a primeira vez que foram colocados todos esses pontos juntos, articulados da forma que Kuhn o fez, o que foi novo para a ciência e para a história das ideias.
Para o autor estadunidense, a ciência passa pelos momentos de ciência normal, que se baseia num paradigma; de revolução científica; e de consolidação de um novo paradigma. No debate sobre o que Kuhn entende como paradigma, foi colocada a pergunta sobre a diferença entre paradigma e teoria, e se chegou ao consenso de que ainda que não seja fácil diferenciá-los, o paradigma é um conceito mais amplo, no qual podem coexistir muitas teorias diferentes, ou seja, um paradigma pode conter várias teorias.
Ainda que Kuhn quisesse fazer uma análise para as Ciências naturais e especialmente para a Física, o seu trabalho foi apropriado para outras áreas. No entanto, no caso das Ciências sociais parece problemático o uso desse modelo já que elas podem ser entendidas como a-paradigmáticas ou multi-paradigmáticas; por isso não poderiam ser pensadas da mesma forma que as naturais.
Mesmo que o trabalho de Kuhn tenha sido muito polêmico, é importante ressaltar que ele faz um aporte importante na história da Sociologia da ciência, já que é um dos primeiros cientistas com formação nas ciências duras que questiona o entendimento do trabalho científico como um processo de acumulação e, pelo contrário, o apresenta como um processo de rupturas.
A segunda parte da aula esteve dividida em dois momentos: no primeiro, foram discutidas algumas questões relacionadas com o que significa fazer ciência e como ela está sempre marcada por embates e conflitos. O tema foi levantado a partir da exibição de um trecho do filme “A criação”, dirigido por Jon Amiel, que aborda a vida de Darwin. No segundo momento, o debate foi dirigido ao texto de Bloor, especialmente ao primeiro capítulo e ao posfácio, e as principais questões levantadas na aula foram as que seguem.
David Bloor, que atualmente trabalha na Universidade de Edimburgo, na Escócia, e que tem formação em Sociologia, Filosofia e Psicologia, é um dos principais representantes do Programa Forte em Sociologia das ciências. É um grande crítico de Bruno Latour, especialmente se opondo à propriedade de agencia que Latour coloca no não-humano.
O Programa Forte faz uma crítica a autores como Merton e Mannheim, que segundo ele fazem uma análise fraca da ciência. O Programa Forte defende então uma nova base epistemológica para a Sociologia da ciência; essa deve procurar analisar as ciências como uma prática social, e assim falar desde dentro, o que os representantes do Programa vão chamar como “abrir a caixa preta da ciência”, ou seja, questionar suas bases epistemológicas, colocadas pela Filosofia clássica, pelas quais o conhecimento estaria além do social. Para Bloor, o conhecimento cientifico deve ser entendido e analisado como uma construção social e nesse sentido, observa-se que ele está atravessado por embates, conflitos e problemas.
No debate da aula foram colocadas algumas questões relevantes sobre as repercussões que essa abordagem trouxe e ainda traz para pensar o trabalho científico e especialmente na Sociologia da ciência e da técnica. Nesse sentido, foi destacado o princípio da simetria que o Programa Forte defende e que tem sido um dos menos contestado. Foi discutido também o tema dos valores (sociais e epistêmicos) que Bloor traz e como resulta importante desconstruir a ideia que “o mundo natural é vazio e neutro”.
Finalmente, foi destacada a relevância do Programa Forte na mudança das metodologias na pesquisa da Sociologia das Ciências, especialmente como resultado à pergunta que ele faz sobre como deve ser a forma para se investigar o conteúdo e a natureza do conhecimento científico.
No final da aula ficaram algumas perguntas interessantes que permanentemente permeiam a disciplina, sobre o papel da ciência, sua capacidade de previsão e sobre a tensão existente entre “o social” e “o natural” nos debates sobre conhecimento cientifico.

Sugestões de livros e filmes que surgiram da aula:
Livros:
Michel Serres. Elementos para uma história das ciências. 1989.
Pierre Bourdieu. Para uma sociologia da ciência. 2004.
Bertolt Brecht. Leben des Galilei (A vida de Galileu) 1943.
Filmes:
Inherit the Wind (O vento será sua herança). Dirigido por Stanley Kramer. Ano 1960.
Creation (A criação). Dirigido por Jon Amiel. Ano 2009.

2 comentários:

  1. Penso que Laura e Edson expuseram de forma bastante clara as questões centrais dos textos abordados.
    Os comentários sobre a polêmica de plágio por parte de Kuhn, das ideias de Fleck e de Polanyi, fizeram-me lembrar da passagem no texto de Bloor (p.42) onde ele discute as disputas de prioridade entre algumas "descobertas" científicas, o que parece bem ilustrativo.
    Sua explicação para polêmicas desse tipo é que a ciência, ao funcionar como um sistema de trocas, depende de conhecimento publicado e partilhado e que diversos cientistas não raro estão em posição de apresentar avanços semelhantes, como uma corrida entre rivais quase equivalentes. Enuncia, por fim, a lei empírica de que "descobertas efetuadas em tempos de mudança teórica provocam disputas de prioridade, em tempo de estabilidade teórica (ciência normal?), não".

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  2. Tive a possibilidade de estudar Kuhn em outra disciplina. Revi anotações e trago algumas aqui. Uma delas é a diferença da abordagem de Kuhn em relação a de Popper sobre a Ciência (ou ciências). Popper analisa a questão do método na ciência, preocupando-se com o que pode ser definido como científico, com a falseabilidade e refutabilidade das teorias que garantiriam a busca permanente pela verdade a partir da dedução de novas evidências. Kuhn já rompe com a ideia de cumulatividade a partir da concepção do conceito de paradigma que caracteriza-se por ter não apenas um método próprio de investigação, mas uma concepção ontológica própria. Assim, não apenas direciona a forma de se fazer pesquisa científica como cria e define o próprio “problema científico”, como um sistema fechado e autossuficiente.

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