Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Relatos da Sessão 4 - 1º/9/2010

Relato da Sessão 4 - Mannheim e Merton: da Sociologia do Conhecimento à Sociologia da Ciência

Por Saul Silva Caetano

Discutimos textos de Mannheim (1), sobre sociologia do conhecimento, e de Merton (2), sobre o ethos científico. Iniciamos comentando um pouco sobre a biografia de Mannheim, ressaltando seus estudos nas áreas de epistemologia, sociologia do conhecimento e pedagogia. Foi comentado também, que os trabalhos de Mannheim influenciaram vários sociólogos brasileiros, tais como Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos. Para maiores informações sobre essa influência de Mannheim na sociologia brasileira foi sugerido o texto Os Portadores das sínteses de Gláucia Vilas Boas.

Sobre Mannheim, discutimos as ideias principais do seu texto, onde o autor analisa como os homens pensam e apresenta elementos de uma abordagem sociológica para essa questão. Segundo Mannheim, todo indivíduo pertence a um grupo social e utiliza para pensar a linguagem, os significados e os sentidos compartilhados por esse grupo social; como resultado, o modo de pensar de um indivíduo é o mesmo do seu grupo social. Sendo assim, para compreender um pensamento é necessário conhecer o grupo social onde o mesmo se originou. Além disso, para o autor, o pensamento sempre está vinculado à ação, portanto o modo de pensar de um grupo social está associado à sua ação coletiva. Foram apontadas semelhanças entre a abordagem sociologia do pensamento de Mannheim e os estudos de Ludwig Fleck sobre a gênese do fato científico. Os dois autores compreendem o pensamento como vinculado a um coletivo social que compartilha um estilo de pensamento e ambos associam a mudanças nesse estilo à mobilidade dos indivíduos entre os coletivos. Cabe ressaltar, porém, que enquanto Fleck concentrou seus estudos na produção do pensamento científico, Mannheim voltou-se para o pensamento da vida pública. De certa forma, Mannheim considera que o pensamento lógico estaria mais imune às suas origens sociais, porém estudos recentes, como os da etnomatemática, têm demonstrado que estes também estão vinculados ao social. Para Mannheim, durante o domínio da Igreja e de sua postura dogmática, uma única forma de pensamento predominava na Europa; posteriormente, com a Reforma e o Iluminismo (séculos XVII – XVIII) várias formas de pensar entraram em disputa. O autor destaca a mudança na forma de trabalho dos intelectuais como fator importante para o surgimento dessas várias formas. Durante o domínio da Igreja, os intelectuais eram clérigos que deviam seguir dogmas. Com a decadência do domínio da Igreja, vários intelectuais passam a ser apoiados por Estados ou por outras religiões, gerando diferentes modos de pensamento que passaram a conviver. A disputa política entre diferentes visões de mundo, segundo Mannheim, gera ações de desmascaramento, onde opositores buscam relevar os interesses sociais contidos na base dos pensamentos dos seus adversários. Esta constante busca pelo desmascaramento estaria na origem dos conceitos de Ideologia e Utopia. Para o autor, o conceito de Ideologia vincula-se à ideia de que o pensamento do grupo social dominante esconde as condições reais da sociedade para preservar seus interesses, enquanto que o conceito de Utopia reflete a busca dos grupos oprimidos pela mudança da realidade opressora; esses, na ânsia de mudar a realidade opressora, não fazem um diagnóstico da realidade da sociedade, apenas fazem a sua negação.

Após a pausa iniciamos a discussão do texto do sociólogo americano Merton, um dos fundadores da sociologia da ciência. No texto em estudo, Merton apresenta aspectos do que seria o ethos da ciência. Primeiramente ele indica que a palavra ciência apresenta muitos significados, podendo ser considerada: um conjunto de métodos de comprovação de conhecimento; um acervo de conhecimentos; um conjunto de valores e costumes; uma combinação de todos os significados anteriores. No texto, Merton preocupa-se apenas com a ciência enquanto um conjunto de valores e costumes; por causa disso, muitos consideram que seu trabalho é uma sociologia dos cientistas e não da ciência, pois sua análise deixa de lado os aspectos internos da produção da ciência. Nossa discussão em sala relembrou rapidamente características dos imperativos institucionais da ciência indicados por Merton (comunismo, universalismo, desinteresse e ceticismo organizado), considerando-os como metas a serem alcançadas pelo trabalho científico e mostrando a distância entre estes e a atividade científica real. Porém, nossa principal discussão foi sobre a neutralidade ou não da ciência. Algumas pessoas argumentaram que existiria uma neutralidade nos métodos científicos e nos conhecimentos resultantes desses, apesar de não existir neutralidade na escolha do objeto a ser pesquisado e no uso da produção científica. Outras pessoas contra argumentaram que durante todo o trabalho científico estão presentes diversos interesses dos grupos sociais envolvidos no mesmo, não existindo neutralidade no método e nos seus resultados também. Essa última argumentação relembrou a ideia de origem social do pensamento defendida por Mannheim em seu texto.
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1 - Mannheim, K. Ideologia e Utopia. Introdução à sociologia do conhecimento. Porto Alegre, Ed. Globo, 1950. Cap. I, p. 1-49.
2 - Merton, R. K. Sociologia. Teoria e Estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. Caps. XVIII e XIX, p. 651-674.

Por Cleber José Bosetti

A aula teve início com uma breve leitura da biografia de Mannheim. Sua trajetória intelectual envolvendo Filosofia, Sociologia e Pedagogia o levaram a pensar o problema do conhecimento a partir da Sociologia. Foi feita então referência ao objetivo de Mannheim: entender como os homens pensam. Nesta perspectiva, a ideia central do autor é a de que o pensamento é social (ligado ao grupo de pertencimento do indivíduo), sendo a ação política desencadeada a partir dessa constatação. Assim, foi abordada a questão da ideologia presente na obra Ideologia e Utopia. A ideologia foi definida como o pensamento do grupo que está no poder como um meio de justificação para sua posição; por outro lado, a utopia é desenvolvida pela oposição com o objetivo de criar uma ação política legítima.

Após algumas indagações e comentários dos alunos sobre ideias recorrentes na obra, a discussão orientou-se para a mudança que ocorreu no pensamento na sociedade ocidental a partir da Idade Moderna (Iluminismo), onde a superação de um pensamento único proeminente do catolicismo medieval deu lugar a uma pluralidade de pensamentos numa sociedade complexa, marcada pela individualização crescente (que permite aos indivíduos as escolhas). As dificuldades do indivíduo pensante para lidar com alguns dilemas na produção do conhecimento (objetividade/subjetividade; determinismo/relativismo) impulsionaram a preocupação com a criação do que se chama hoje o método científico e o avanço do pensamento moderno. Nesse momento, saindo do foco do texto em debate, a discussão encaminhou-se para o problema da pesquisa hoje (como fazer?). A professora apontou então para a necessidade de se dispor de um método e de uma teoria, e para um aspecto prático fundamental que é elaboração de uma boa pergunta.

Na segunda parte da aula, foi apresentada a biografia de Robert Merton e o conceito de ciência proposto pelo autor, sendo esta concebida como uma instituição dotada de normas técnicas de racionalidade e normas morais. Neste momento, uma aluna fez uma intervenção questionando sobre a ausência de neutralidade na ciência. Outra questão colocada em seguida foi para quê serve a ciência? A professora procurou responder estas questões colocando em discussão o problema do universalismo diante da diversidade cultural existente. Sob este prisma, discutiu-se a dificuldade da ciência de servir à sociedade numa perspectiva universalista; afinal, sempre vai haver alguém que não será contemplado. Outro aluno levantou a questão da normatividade da ciência, considerando que existem questões de âmbito da moral geral (direitos humanos, questão ambiental) que deveriam ser preocupações universais.

Posteriormente, a professora explicou que a existência da ciência decorre acima de tudo do fato de os indivíduos viverem em sociedade e possuírem uma língua; inevitavelmente eles pensarão e produzirão conhecimento. No entanto, a ciência como instituição surgiu a partir do Iluminismo, quando um conjunto de normas foi criado para organizar a produção do saber. Assim, criaram-se os métodos e o reconhecimento dos pares (que regulam a produção deste conhecimento) como duas dimensões essenciais do fazer ciência.

O tema da neutralidade foi em seguida retomado, tendo prevalecido a opinião de que a neutralidade não acontece em momento algum. Aqui foi estabelecido um nexo entre Mannheim e Merton pela defesa da ideia de que o pensamento pertence a um grupo social. Apesar disso, o ethos da ciência possuiria uma ética de buscar a imparcialidade. Retomando a questão da universalidade, esta foi concebida como um ponto de orientação à pesquisa, mas seria reconhecidamente algo inalcançável. Novamente a questão para que serve a ciência foi levantada, agora em torno da ideia do poder de prever, tendo sido discutido o exemplo a Metereologia. Concluindo, a discussão voltou-se para uma das ideias chaves do pensamento de Merton em relação ao ethos da ciência: o ceticismo organizado. No caso, o autor defende que a dúvida, a desconfiança e a incerteza são elementos essenciais do fazer científico, ponto que foi aceito por todos.

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