Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Relatos da Sessão 7 - 6/10/2010

Relatos da Sessão 7 - Tema: A perspectiva construtivista ou sociotécnica

Por Manuel Franco Avellenada

A aula esteve dividida em três partes, assim: na primeira parte, retomaram-se algumas questões sobre a sessão anterior relacionadas com a linguagem; neste sentido, se mencionou a importância do estudo da linguagem na ciência e se referenciaram os trabalhos de Austin. De outro lado, fizeram-se rápidas apresentações sobre atividades realizadas pelos integrantes do grupo que não estiveram na sessão anterior, situação que levou à descrição rápida das propostas de ciência pós-normal, de Silvio Funtowicz, e de sistema-mundo, de Immanuel Wallerstein.

Na segunda parte, se começou com a apresentação de alguns dados biográficos sobre os autores do texto proposto para a aula, a saber: Trevor Pinch, que é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Cornell, e atualmente trabalha sobre as tecnologias da música; e Wiebe E. Bijker, que é professor da Universidade de Maastricht, na Holanda, e tem trabalhando em diferentes temas, tais como, o desenvolvimento da bicicleta, o desenvolvimento das lâmpadas fluorescentes, entre outros. Foram ainda apresentados alguns dados biográficos de Thomas Hughes – co-organizador da coletânea onde a versão original do artigo estudado foi publicada – que é professor emérito da universidade de Pennsylvania e tem um livro muito importante sobre os sistemas tecnológicos – “Networks of Power: Electrification in Western Society, 1880-1930” – o qual mostra os conflitos e os interesses envolvidos na construção do sistema de geração e distribuição de energia elétrica nos EUA e na Europa.

Especificamente relacionado com o texto, discutiram-se os elementos principais da metodologia de análise proposta, a qual reconhece a construção social da tecnologia como um modelo complexo, opondo-se ao modelo linear de inovação, baseado na idéia que se parte da ciência básica e se segue uma linha de desenvolvimentos aplicados até se chegar à utilização dos artefatos. Neste sentido, estes autores propõem os seguintes conceitos: Grupos sociais relevantes, que são aqueles mais diretamente interessados numa inovação dada; esses com freqüência são difíceis de identificar, mas têm a vantagem de ser uma categoria mais fácil de usar do que a categoria sociedade; Flexibilidade interpretativa, que remete às múltiplas interpretações para os achados científicos; Estabilização e fechamento da caixa preta, que se refere ao momento em que as controvérsias diminuem, pois começa a estabilização de uma idéia/construção de um artefato (movimento que é compartilhado pelos grupos relevantes). para isto joga especial importância a mídia. Além disso foi discutido o conceito de estrutura tecnológica.

Finalmente, com respeito à proposta destes autores, se mencionaram algumas dificuldades, tais como: a identificação dos grupos relevantes e o seu nível de participação, bem como a complexidade da análise quando a “caixa preta” não está fechada.

A terceira parte da aula abordou o texto publicado pela professora Benakouche, o qual foi escrito depois de seu estágio de pós-doutorado nos EUA. Este artigo recolhe de maneira muito pedagógica três correntes relacionadas com a sociologia da técnica, as quais compartilham uma nova metáfora – “abrir a caixa preta” da técnica – além de criticar o determinismo tecnológico, quais sejam:

1. Os grandes sistemas tecnológicos. O historiador Thomas Hughes pode ser considerado seu principal representado; esta proposta introduz conceitos, tais como: Reverse salient, que tem relação com os grandes obstáculos que defronta um sistema no processo de implementação, situação que na maioria dos casos movimenta importantes invenções, ao se tentar corrigir esses problemas. Outro conceito amplamente discutido na aula foi “Momentum”. Na discussão realizada, apareceram duas idéias para defini-lo: a primeira estaria relacionada com o momento no qual um produto tem sucesso, e a segunda acredita que este se refere ao momento no qual o sistema se expande rapidamente, atingindo “autonomia”. Do outro lado, com respeito à noção de sistema, assinalou-se que o mesmo, por definição, torna necessário um ambiente, razão pela qual é difícil identificar os limites de um sistema. Essa situação não existiria na idéia de rede, pois, nesse caso, “se está ou não se está associado” e a interação dependeria das relações entre as entidades (fortes ou fracas)

2. A tecnologia como construção social, que refere à proposta dos autores abordados na primeira parte da aula. Além do dito acima sobre esta proposta, se enfatizaram os seguintes pontos: a idéia de simetria, que permite explicar tanto as técnicas que dão certo como as que fracassam; a possibilidade de explicar as mudanças tecnológicas e as estabilizações; e a rejeição a se fazer distinções a priori entre o social, o técnico, o político/econômico. Foi também feita uma pequena discussão sobre o risco, que pode ser resumida na pergunta: quanto seguro é suficientemente seguro?

3. Enfim, abordou-se a noção de tecnologia como rede, perspectiva cujos principais representantes são Bruno Latour, Michel Callon e John Law. Eles propõem que é possível fazer uma análise ao mesmo tempo social e tecnológica, baseada nos envolvimentos entre atores humanos e não-humanos que estão numa rede (ator-network). Os principais elementos metodológicos discutidos foram: o conceito de “Tradução”, o qual tem correspondência com a idéia de flexibilidade interpretativa; e o conceito de associações, que dará depois o nome à proposta latouriana de uma sociologia das associações. Finalmente, foi assinalado o problema da linguagem que enfrenta esta proposta, pois se torna necessário propor novas palavras para designar conceitos emergentes, que traduzam a não-separação entre técnica e sociedade: por exemplo, “actantes” que substitui “atores”, e que serve para nomear tanto elementos humanos como não-humanos de uma rede.

Por Vanessa Delazeri Mocellin
O questionamento inicial que podemos levantar e que mais me chamou atenção durante a referida aula foi o fato de ainda não se entender ciência e tecnologia como duas vias mútuas e que andam juntas. Essa idéia aparece em ambos os textos trabalhados e merece aqui uma maior atenção: fica claro que não se concorda com a idéia de que a ciência e a tecnologia são totalmente distintas, nem também que a tecnologia é ciência aplicada; contudo, há também comumente a idéia de que a ciência e a tecnologia são a mesma coisa, quando não são. A idéia apresentada é que ambas andam juntas, e que a tecnologia pode ser entendida sociologicamente como sendo construída da mesma forma que a ciência. Isto permite fugir da idéia de impacto tecnológico – como se a tecnologia fosse uma entidade com vida própria – e sustentar a idéia de que a tecnologia pode ser entendida como parte da sociedade. É isto que nos mostra os autores Pinch e Bijker, quando defendem o construtivismo social da tecnologia, ou as três correntes da nova Sociologia da Técnica, tal como apresentadas pela professora Tamara em seu artigo, que são: a tecnologia como sistema, a tecnologia como construção social, e, finalmente, a tecnologia como rede.

É importante ressaltar aqui que a luta entre o pensar e o fazer sempre existiu; contudo se faz necessário, ao menos nos tempos atuais, pensar ciência e tecnologia através da idéia de que são interdependentes: uma dá apoio à outra, ou seja, a ciência dá apoio ao desenvolvimento das tecnologias e as tecnologias ao desenvolvimento das ciências. Esta interdependência, no entanto, é norteada por muitos conflitos e negociações, e nem sempre são feitas de forma linear, inclusive no sentido de divisão de trabalho dos cientistas e dos tecnólogos – em linguajar mais comum, quem trabalha pra quem? Não é possível definir.

Tais negociações não ocorrem somente na relação entre ciência e tecnologia, mas também na própria criação de uma determinada tecnologia, desde sua invenção até seu aprimoramento e consumo. Nesse sentido, Pinch e Bijker apresentam conceitos que definem um processo tecnológico como construído socialmente – os quais têm por pano de fundo a corrente que defendem: o construtivismo; tais conceitos são: grupos sociais relevantes, flexibilidade interpretativa e fechamento. O primeiro refere-se aos grupos diretamente envolvidos na construção de um artefato, seja por seu interesse a favor ou contra o determinado artefato; o segundo refere-se às possíveis interpretações que tal artefato pode ter durante o processo de construção, seja através dos materiais utilizados, por sua forma, conforto ou segurança – este foi o caso na construção do artefato bicicleta que conhecemos hoje; e o terceiro refere-se à conclusão desse processo de discussão sobre a melhor forma e funcionamento do artefato frente aos diversos interesses – deseja-se agradar a todos, para que todos possam consumir – no qual se estabelece uma “forma definitiva” – mesmo que momentaneamente, ao menos até que se surjam novas idéias e que causem nova discussão – para tal artefato, fechando-se, assim, a história de sua construção.

Assim, fica claro que existem interesses que determinam o desenvolvimento de um artefato, ou seja, que a mudança nos constituintes de tal artefato sofre influência dos grupos sociais ditos relevantes, e que cada grupo social relevante tem a urgência de que seus problemas com o artefato sejam enfrentados e que para cada problema existam soluções.

Já o texto da professora Tamara traz três abordagens que visam apresentar alternativas ao uso da noção de impacto tecnológico, como já foi mencionado. Sua crítica ao conceito de impacto tecnológico consiste em considerar que o mesmo é muito determinista e que falsifica de certa maneira o que é tecnologia – parece que a sociedade não se mexe e que a tecnologia simplesmente cai sobre as cabeças dos sujeitos sociais, sem que nenhuma intervenção tenha sido feita anteriormente. Sua crítica é sustentada pelas três abordagens que menciona em seu artigo (não entrarei em detalhes aqui sobre os conceitos de sistema e de rede, pois foram pouco trabalhados em aula), as quais, em resumo, afirmam que a tecnologia é e está inteiramente relacionada com a sociedade, e que todas as formas de associação desta – sistema ou rede, o conceito que for julgado mais completo – contribuem para a formação de uma tecnologia, seja por mediação do engenheiro que enfrenta a idéia, seja por quem financia a idéia, ou pelo usuário que a consumirá, por exemplo. Esta crítica de certa maneira invalida a idéia de que uma tecnologia é boa ou má devido apenas à formação do engenheiro; ou seja, formando-se um bom engenheiro se teria uma boa tecnologia? Não necessariamente!

Por fim, quero propor alguns questionamentos que tais textos me suscitaram:

1 - Quando se trata a tecnologia através do conceito de sistema e se propõe uma autonomia tecnológica através do conceito de “momentum”, nessa autonomia já não se encontraria o determinismo tecnológico? Desta forma seria mesmo a teoria sistêmica uma saída para a concepção de impacto tecnológico?

2 - Na teoria construtivista, o fechamento, mesmo que entendido como provisório, também não seria uma forma de determinar uma tecnologia? Afinal após o fechamento uma tecnologia é consumida e não há questionamentos sobre tal tecnologia – uma tecnologia dada é dada, geralmente não se questiona.

3 - Na teoria no qual o conceito de rede é chave, a proposta de não-humanos exercerem um papel e também poderem recusar papéis que lhes são atribuídos, não estaria tornando, de algum modo, estes não-humanos – que entendo como máquinas – em autônomos?

3 comentários:

  1. A Vanessa concluiu o relato dela com alguns questionamentos, que eu gostaria de tentar responder.
    Questão 1 – Essa crítica de que o conceito de “momentum” de Hughes remete ao determinismo tecnológico é feita por vários autores, inclusive por mim, no meu artigo. De fato, na medida em que ele supõe a aquisição de uma certa autonomia de um sistema técnico dado, a crítica é cabível. No entanto, na medida em que Hughes estuda grandes sistemas técnicos, como o sistema elétrico, creio que o conceito remete mais às dificuldades (ou mesmo à impossibilidade) de o sistema em questão deixar de existir, e menos às possibilidades de receber ajustes e inovações pontuais.
    Questão 2 – Se a gente for estudar a história das técnicas, irá verificar que existem algumas estabilizadas (a agulha de tricô, por exemplo) e outras que ainda são objeto de inovações (o barbeador, no qual as empresas do ramo continuam investindo fortunas visando aperfeiçoá-lo). No entanto, é importante lembrar que mudanças de design, cor ou de detalhes não significa necessariamente um não fechamento. Vale também lembrar que o uso de uma tecnologia, feito em conformidade às finalidades que lhe foram atribuídas, não significa determinismo. O termo se aplica quando se supõe que o seu usuário não tem saída, não tem escolhas diante dos usos que são propostos (eu não uso minha TV para ver novelas ou o BBB...).
    Questão 3 – Não. Humanos e não-humanos para essa teoria, no caso, a teoria ator-rede de Latour, estão sempre associados numa rede, interagindo continuamente, ora de modo mais forte, ora de modo mais fraco.

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  2. Penso que a epígrafe de MacKenzie e Wajcman, no artigo da Profa. Tamara, que depois é complementado com a colocalção de que "abrir a caixa preta da técnica implica, necessariamente, ter de abrir também a caixa preta da sociedade", sintetiza bem a discussão sobre a interdependência e complementariedade entre sociedade e tecnologia, porque é muito difícil e, talvez, infrutífera a discussão sobre qual das duas "impacta" a outa e sobre qual delas é o produto e qual é a produtora. Adotar a noção de "impacto tecnológico", seria admitir que a tecnologia existe por si.
    Mas não entendi o que a professora quis dizer, na p.96, com "evitando julgamentos morais".

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  3. Questão 2 - Acho que sua questão faz sentido, mas é preciso especificar o local de tal fechamento. Vejo que o desenvolvimento de tecnologias é guiado pelos atores nela envolvidos. É bom lembrarmos que a flexibilidade interpretativa das tecnologias sempre é relacionada aos grupos sociais relevantes. A questão faz sentido, ao meu ver, quando se tem um artefato pronto para, por exemplo, ser lançado no mercado. Já nesse "lançamento" o artefato pode ter seu significado em jogo, pensemos nas campanhas publicitárias e de marketing. Quando são adquiridas e apropriadas por outros agentes, encontramos uma multiplicidade de sentidos difícil de ser mapeada se não a estivermos delimitando dentro de um grupo. Este último ponto me lembra De Certeau. Acho que o termo fechamento pode ser muito bem empregado quando a tecnologia-artefato ainda está nas mãos de cientistas e engenheiros. Em outros casos, creio que a apropriação delas é um elemento interessante para se cogitar uma "reabertura" por atores plurais.
    Eu, particularmente, gostaria muito de ver uma discussão sobre softwares e fechamentos. Não sei dizer se as novas versões aprimoradas de um software chegam a reabri-los sempre. Muitos mantém sua finalidade mesmo aprimorados, dificilmente ganham mais finalidades em novas versões. Talvez os Sistemas Operacionais sejam mais flexíveis nesse aspecto, já que mudam em dependência de outras diversas tecnologias e mídias.
    3- Acho limitar muito pensar não-humanos como máquinas. A melhor definição é não-humanos mesmo. Pelo que vejo em Latour isso pode ser desde a flora e o solo objetos de estudo por biólogos e geólogos, os instrumentos que se utilizam para seus laboratórios e proporcionam uma forma de inscrição que possa transplantar o conhecimento e a informação para outros, isso é, uma forma de linguagem também é um ator não-humano. Atualmente, somos muito dependentes, com as TICs, de redes atores não-humanos complexos, que interagem entre si em linguagens nas quais os humanos têm uma interferência menos frequente. Poderiam até ser considerados autônomos de certa forma, mas isso não se manteria se analisado numa perspectiva temporal maior. Essa autonomia não existe, pois sua existência e aplicabilidade dependem diretamente do mundo social e humano. Assim, vejo o conceito de rede sociotécnica mais como um modelo que pretende acabar com a estreiteza de se pensar o social e o técnico como autônomos, e, particularmente, de se pensar o social como puramente humano, abrindo questões que podem elucidar melhor uma das principais características dos humanos: transformar e criar novas relações com a natureza.

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