Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Relatos da Sessão 9 - 21/10/10


Relatos da Sessão 9 - A Sociologia dos Cientistas: para não dizer que não falamos de Bourdieu

Por Fernanda Mambrini Rudolfo e Karlo Koiti Kawamura

Pierre Bourdieu não é um sociólogo da ciência, mas “O campo científico”, o texto base da aula é considerado um clássico da disciplina. Vejamos os principais conceitos que foram debatidos:

Campo: A sociedade não está separada do indivíduo (o autor se opõe à separação sociedade x indivíduos, bem como entre estrutura x função). As relações na sociedade se estruturam em campos (campo social, campo político, etc.). As ações dos indivíduos se manifestam através de práticas, estratégias e disposições. Os campos são hierarquizados em virtude do capital específico acumulado pelos agentes e em cada um haverá dominantes e dominados (assim, por exemplo, no campo científico o capital que importa é o conhecimento).

Os capitais são diferentes, mas há uma afinidade entre eles, e todos se distribuem dentro do campo social. Bourdieu destaca em seu trabalho a noção de prestígio ou de distinção, que seria o estilo de vida que distingue os indivíduos na sociedade (Bourdieu salienta a importância do local onde nós nascemos) mas também reconhece que há uma certa permeabilidade entre os campos.

Habitus: As práticas dos agentes são orientadas por disposições que são aprendidas, mas que se tornam uma espécie de natureza desses agentes; isso constitui o que Bourdieu chama de habitus. É mais do que o hábito, pois se incorpora na pessoa; constitui o que chama de uma estrutura estruturada e estruturante. As principais instituições onde o habitus se constitui são a família e a escola (daí a idéia de que elas são os espaços de reprodução social).

Capital: São as características consideradas importantes dentro de cada campo (social, político, científico, artístico, etc.) e o capital que se tem vai influenciar a posição que se ocupa em cada campo, seja de dominante ou de dominado.

Mudança social: A atividade de pesquisa de Bourdieu se iniciou a partir da temática da reprodução social, ou seja, de como a sociedade muda, mas, ao mesmo tempo, de como a sociedade se mantém (Plus ça change, plus c´est la même chose). De acordo com o autor, sempre há estratégias de conversão (subversão), mas também de manutenção. O autor estudou, a partir da escola, os aparelhos de reprodução de desigualdades sociais. Bourdieu é reconhecido, por esse motivo, como o sociólogo da reprodução, mesmo se também questione por que a sociedade muda e como isso acontece (tema central na Sociologia). Contudo, considera-se que ele não explica satisfatoriamente como ocorre a mudança social, sendo por isso criticado. Por exemplo, Bourdieu não explicaria como algumas pessoas humildes conseguem furar o bloqueio da reprodução social e ascender.

Outros pontos debatidos:

O campo científico é, como os outros campos, um microcosmo social, parcialmente autônomo, ou seja, está submetido a regulações. Há uma ligação muito forte entre o campo científico e o campo político (que acaba por permear quase todos os campos).

Para Bourdieu, a reflexividade é uma condição do fazer sociológico: o conhecimento da sociedade deve ser reflexivo – no sentido de permanentemente discutido – para assegurar sua validade.

Apresentou-se, na aula, uma entrevista simulada com Pierre Bourdieu, a partir de trechos do segundo artigo indicado para leitura (da revista Política e Sociedade) Com base em perguntas fictícias, discutiram-se os principais conceitos trazidos pelo autor (alguns já mencionados neste relato), bem como a aplicação da idéia de campo científico às ciências sociais. Um ponto destacado foi a afirmação a respeito da ausência do monopólio de um “discurso legítimo”, nas ciências sociais, situando-se entre os campos científicos mais puros e os campos político e religioso. Desenvolveu-se, ainda, debate a respeito da importância da internacionalização das ciências sociais para o progresso da autonomia científica, visto que Bourdieu sugere essa alternativa para as ciências sociais (uma internacional de outsiders). A fim de concretizar o progresso de uma ciência social autônoma, dever-se-ia evitar, ainda, a tentação do populismo (ou seja, deve-ser ser um cientista, não um militante).

Os jornalistas são concorrentes dos cientistas sociais. Bourdieu critica a televisão em um de seus livros, principalmente por não dar tempo aos cientistas para exporem seu pensamento.

Uma questão debatida foi se a sociologia da ciência tenta desmistificar, mostrar que a ciência também tem seus limites. Há um ‘endeusamento’ da ciência para as pessoas comuns, como se ela não pudesse ser questionada, confrontada (só poderia ser ‘contestada’ por cientistas e, ainda, somente se tiverem ‘autoridade’). Na realidade, produzir ciência seria uma prática social como qualquer outra e uma idéia pode ser debatida tanto pelos cientistas como pelos profanos (não cientistas).

Por fim, discutiu-se a idéia de revolução científica de Kuhn, a partir das críticas feitas por Bourdieu de que elas são mais difíceis hoje, porque o campo e suas estratégias estão mais cristalizadas (há normas científicas mais rígidas). Uma possibilidade, porém, é que surjam fatores externos (exógenos) que façam com que o postulante a “dominador” tenha outra motivação (ferocidade). Por exemplo, Einstein, sendo judeu, pôde revolucionar a ciência, pois sua motivação era pessoal e ia além das estratégias do campo. Como se pode explicar, então, o fato de Planck ter “revolucionado” a física, sendo do grupo dominante?

Por Rosana de Jesus


Pierre Bordieu
Os debates na aula giraram em torno das idéias principais deste pensador, as quais versam sobre como ocorrem os processos de mudanças, transformações e reproduções sociais. Ele teorizou sobre como a sociedade se reproduz, estudando principalmente a escola como elemento de reprodução das desigualdades sociais e não como possibilidade de mobilidade social. Criticou a idéia de opostos: Sociedade x Indivíduo / Estrutura x Função (práticas, estratégias, disposição) e para substituí-la criou conceitos fundamentais como Campo e Habitus.

[...] Bourdieu vai observar que a sociedade se constitui de variados campos, estes, mundos sociais relativamente autônomos (religioso, político, artístico, científico, filosófico, da arte, jornalístico, masculino, etc.). Caracterizar os campos como autônomos implica em considerar que neles há um modus próprio de atuação, o que implica também a idéia de que a atuação do agente no campo é estruturada e estruturante. [...] Tal idéia remonta a se pensar que Bourdieu substitui a luta de classes, motor da história em Marx, pala luta de classificações – derivadas do capital econômico e do capital cultural, motor da lógica do espaço social. (MOCELIN, 2010)

[...] o conceito de habitus que ele desenvolverá ao longo da sua obra corresponde a uma matriz, determinada pela posição social do indivíduo que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas situações. O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas. (VASCONCELOS, 2002)


Analisando a sociedade como organizada por meio de campos, defende que dentro destes emerge o que nomeia por Capital Simbólico, uma espécie de prestigio que o individuo acumula no campo, hierarquizando posições em seu interior, podendo o individuo ocupar o lugar de dominado ou de dominante. A estrutura do campo, dada pelo capital simbólico, pode ser alterada por embates de forças oriundas de seu próprio interior. Mesmo que haja a intenção de mudar determinada realidade para melhor, sempre haverá resistência para sua conservação, para sua manutenção.
No que diz respeito ao campo científico – tema da aula – Bourdieu acredita que há um valor intrínseco na ciência, que é encontrar uma verdade; no entanto, afirma que há uma luta pelo capital simbólico no campo científico.
Ele não estuda as práticas internas da ciência tal como Latour, mas identifica que a ciência resulta de uma pratica social como qualquer outra, pautada pela luta dos cientistas por reconhecimento.
Também foi levantada nesta sessão a afirmação de Bourdieu segundo a qual a noção de revolução de Kuhn não valeria na atualidade, posto que as normas mais rígidas de controle na ciência trariam mais dificuldades de ocorrer mudanças; no caso, estas só ocorreriam por motivos externos. Por outro lado, foi dito que o físico Max Planck, que desenvolveu a teoria quântica passou 30 anos querendo desmenti-la, pois estava contra seus princípios.

Referências da disciplina
BOURDIEU, Pierre. O campo cientifico. In: ORTIZ, R. (Org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983, p. 122-155.
_______. A causa da ciência. Como a historia social das ciências sociais pode servir ao progresso das ciências. Florianópolis: PPGSP, Política & Sociedade, n. 1, setembro de 2020, p. 144-161.

Outras referências
AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Espaço social, campo social, habitus e conceito de classe social em Pierre Bourdieu. Disponível em: . Acessado em: 24 out. 2010.

MOCELIN, Daniel G. Pierre Bourdieu: a prática social entre o campo e o habitus. Disponível em: . Acessado em: 24 out. 2010.

VASCONCELOS, Maria Drosila. Pierre Bourdieu: a herança sociológica. Disponível em: . Acessado em: 24 out. 2010.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Há na Revista Escola uma edição que apresenta as idéias de Bourdieu e sua influencia na área educacional. O titulo da matéria é: Pierre Bourdieu - O investigador da desigualdade. A biografia abaixo apresentada foi tirada do mesmo sitio.
O link é < http://revistaescola.abril.com.br/historia/fundamentos/pierre-bourdieu-428147.shtml >
Biografia
Pierre Bourdieu nasceu em 1930 no vilarejo de Denguin, no sudoeste da França. Fez os estudos básicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951, ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreira acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a função de assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983) na Faculdade de Letras de Paris e, simultaneamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Bourdieu publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de la Recherche en Sciences Sociales e Liber. Em 1982, propôs a criação de uma "sociologia da sociologia" em sua aula inaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes. Quando morreu de câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa européia. Um ano antes, um documentário sobre ele, A Sociologia É um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemas da França. Entre seus livros mais conhecidos estão A Distinção (1979), que trata dos julgamentos estéticos como distinção de classe, Sobre a Televisão (1996) e Contrafogos (1998), a respeito do discurso do chamado neoliberalismo.

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