Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Relatos da Sessão 8 - 14/10/10

Relatos da Sessão 8 - Tema: Dê-me um laboratório...

Por Cristian Stassun

LOCALIZAÇÃO DO AUTOR
Bruno Latour (Beaune, 22 de junho de 1947) é um filósofo e antropólogo francês. A sua principal contribuição teórica é - ao lado de outros autores, como Michel Callon - o desenvolvimento da ANT - Actor Network Theory (Teoria ator-rede) que, ao analisar a atividade científica, considera, enquanto variáveis, tanto os atores humanos como os não-humanos, estes últimos devido à sua vinculação ao princípio de simetria generalizada. É conhecido pelos seus livros que descrevem o processo de pesquisa científica, dentro da perspectiva construtivista, que privilegia a interação entre o discurso científico e a sociedade; vale destacar Vida de Laboratório (com Steve Woolgar), Jamais Fomos Modernos e Ciência em Ação. Latour possui doutorado em Filosofia e atualmente é professor do Institut d´Études Politiques de Paris e da Universidade da Califórnia em San Diego. Realizou estudos etnográficos na África e na América, mas sua etnografia mais conhecida foi feita no Laboratório de Neuroendocrinologia do Instituto Salk, na Califórnia, a qual deu origem ao livro Vida de Laboratório, o qual foi inicialmente discutido na aula. (Fonte: Wikipédia).

LOCALIZAÇÃO DA OBRA
A Vida de Laboratório – A produção dos fatos científicos – Bruno Latour e Steve Woolgar
“Como ocorre a produção de fatos científicos? No mundo, a Antropologia já estudou tribos, costumes exóticos, representações simbólicas, tradições populares e os cultos mais complexos. Mas a indústria, a técnica, a ciência e a administração pouquíssimas vezes foram estudados. Ninguém imagina como é o dia-a-dia de um laboratório – técnicos que entram e saem, pesquisadores debruçados em suas bancadas e pilhas de papel, instrumentos, materiais, substâncias químicas e animais que chegam a todo momento, milhares de dólares gastos a cada dia e, talvez, algum mistério decifrado. “Um quebra-cabeça quase terminado guiado por um campo invisível”, define o etnólogo francês Bruno Latour, que se uniu ao sociólogo inglês Steve Woolgar para analisar a produção social do objeto científico. Assim nasceu este estudo inédito sobre a vida de laboratório e a produção dos fatos científicos.”

RELATO AULA
Os alunos chamam a atenção para a discussão do início do livro, no capítulo Etnografia das Ciências (razão de ser da etnografia de um laboratório).
Edson afirma que há várias maneiras de se dizer, polissemia, mas sempre se fala de diferentes lugares. O cientista falando de determinado papel e o cientista fazendo ciência. A etnografia romperia a metalinguagem e levaria a analisar a prática do laboratório sem a rebuscada máscara dos termos e tecnicismos.
Tamara esclarece que esse texto é essencialmente metodológico. Defende a necessidade de se respeitar a linguagem dos  interlocutores, sem reinterpretá-la por outro autor, entendendo que as assertivas do autor estão sob um contexto específico.
O texto explica como é possível estudar os atores sem se tornar um cientista, mantendo um distanciamento, sem incorporar a linguagem dos atores como sua, ou como verdadeira ou falsa. A estratégia é a etnografia que não assume a teoria estudada, apenas descreve as atividades de determinados grupos e populações.
Latour não pretende estudar a ciência feita (“pronta e velha”), o que já está naturalizado pelo discurso científico, mas investir na construção da ciência, na ciência enquanto se fazendo.
Tamara descreve em seguida o conteúdo dos capítulos do livro, lembrando que em cada um deles Latour assume uma identidade diferente, o que irá condicionar o seu olhar, ou suas práticas de investigação.

Capítulo 2 – O antropólogo -  O capítulo descreve a visita de um antropólogo em um laboratório. Prática de ler e anotar.
                   
Capítulo 3 – O historiador - Explica a trajetória da substância pesquisada no laboratório, viajando livremente no passado. Estudo de uma enzima específica.

Capítulo 4 – O etnometodólogo - Faz a etnografia dos cientistas, quem é quem, quem fala o que, qual a hierarquia das pessoas. Microssociologia dos fatos através dos ditos e fatos no laboratório.

Capítulo 5 – O sociólogo, dos mais clássicos que existem
Análise da credibilidade científica, capital científico. Não basta dizer, tem que saber quem disse. Trajetórias dos autores, currículo.
Conclusão
A ordem criada a partir da desordem. Os cientistas buscam sempre a ordem do universo, não entendendo que o próprio contexto científico e universo vive na desordem e somos nós que tentamos forjar padrões comportamentais, naturais e fixos.

TEMAS “SOLTOS”
Latour agradece ao chefe do laboratório que o autorizou a fazer a etnografia, cujo desinteresse tornou-a possível. No entanto, lembra que ele era francês, da sua região. Isso talvez tenha facilitado o seu aceite.
Estudar o laboratório é estudar toda a rede na qual ele está contido. Latour reconhece que não faz isso – pois só se fixou no laboratório – o que significa um limite no seu trabalho.

Creio que vale a pena reproduzir aqui o texto nas “orelhas” do livro.

"Ciência" é uma palavra em alta nas sociedades ocidentais (ou em todo o mundo "globalizado", o que dá na mesma). Uma lavagem de tapete, um corte de cabelo, um mapa astral ganham outro estatuto quando se afirma que são "científicos". Dessa forma, determinar o modo como a ciência é produzida, transmitida e exportada é tarefa essencial para a compreensão da sociedade contemporânea.
Das diferentes formas de se aproximar da ciência, a mais tradicional tem sido o estudo da estrutura do suposto "método científico". Os resultados tanto no domínio da filosofia como no da história ou da sociologia da ciência, parecem pouco convincentes. A ciência, central para o progresso, evolui, mas fica difícil atribuir seu sucesso a um método, a um conjunto de regras que todos os participantes do "jogo científico", tácita ou explicitamente, concordam em seguir.
Nos anos 70, pesquisadores tentam uma nova tática: estudar a atividade dos cientistas do mesmo modo que antropólogos estudam comunidades isoladas e distantes. Latour é um dos pioneiros nessa vertente, por sua clareza, acessibilidade e escolha de bons problemas para estudo, ultrapassou o círculo restrito a especialistas e alcançou reconhecimento mais amplo. Hoje, é um autor do qual se pode discordar, com cujos escritos se pode polemizar, mas é impossível não ter posição a seu respeito. E isso não é o suficiente para atestar sua relevância. A idéia de uma antropologia da ciência parece, de saída, um tanto imprópria. Faz-se antropologia de comunidades ditas primitivas ou simples, ou de subgrupos ditos mais ou menos homogêneos e simples dentro de uma sociedade complexa. Mas, e fazer antropologia da comunidade científica, do grupo por definição (não importa aqui se isso é verdade ou não) mais evoluído, racional e complexo do planeta? Os resultados com que Latour emergiu desses estudos antropológicos têm pouco a ver com a imagem que a própria comunidade científica tem de si e divulga externamente. Estudando os "nativos" (Latour foi antropólogo residente em um laboratório de bioquímica, na Califórnia, nos anos 70), o autor mostra que a essência da atividade científica é criar enunciados e subtrair-lhes modalidades (a partir do enunciado "X acha que a substância Y é responsável pelo efeito cuja medida é Z", criar o enunciado "Y causa Z") e transladar interesses, isto é, a comunidade acadêmica deve sempre aumentar as alianças entre seus membros e entre estes, seus equipamentos e o "mundo objetivo"; para isso, é preciso que todos se transformem no processo. Seu livro Vida de laboratório examina tais translações, mas é em Ciência em ação que as pesquisas antropológicas ganham dimensão de teoria geral acerca do funcionamento da ciência moderna.
Se os estudos nessa vertente antropológica - e a ambiciosa teoria daí derivada - vão ter resultados mais convincentes no que diz respeito ao estranho sucesso humano em compreender o mundo, ainda é cedo para saber. Mas é evidente desde já que o enfoque é original e ajuda a esclarecer o trânsito conturbado das vias que ligam ciência e sociedade.

Sumário do capítulo estudado:

Capítulo 3 - Máquinas
Introdução - As incertezas do construtor de fatos
Parte A - Translação de interesses
Parte B - Mantendo na linha os grupos interessados
Parte C - Modelo de difusão versus modelo de translação

RELATO DE AULA

Conceito central do capítulo: translação ou tradução, que significa a representação que uma pessoa tem de um determinado fato ou ideia. Quando o fato aceita a tradução, ou seja, se comporta de acordo com ela, diz-se que ele foi alistado.

Você pode afirmar, por exemplo, que a lua é feita de queijo, porém a verdade no seu argumento dependerá do conjunto de pessoas que irão acreditar em você e lhe citar.
“Precisamos de outras pessoas que nos ajudem a transformar uma afirmação em fato” (p.178).

Descrição sobre a história do motor Diesel e do post-it.

O meio científico é como um jogo de rúgbi, afirma Latour, você tem que está inserido em um grupo, convencer grupos que pensam igual ou não a você, envolver, seduzir as pessoas. São essas pessoas que ajudam na construção de um fato.

Um cientista é, assim, sobretudo um construtor de fatos:

“A tarefa do construtor de fatos está agora claramente definido: há um conjunto de estratégias para alistar e interessar os atores humanos e um segundo conjunto para alistar e interessar os atores não-humanos a fim de conservar os primeiros. Quando essas estratégias têm sucesso, o fato construído se torna indispensável; é ponto de passagem obrigatória para todos quantos quiserem promover seus próprios interesses. Pouco numerosas e indefesas no início, a ocuparem alguns pontos fracos, essas pessoas acabam depois controlando verdadeiras fortalezas. Todos adotam as afirmações ou os protótipos das mãos de contendores bem-sucedidos. Consequentemente, as alegações se transformam em fatos indiscutíveis e os protótipos são transformados em peças de uso rotineiro. A cada nova pessoa que acredita na alegação, a cada novo consumidor que compra o produto, a cada artigo ou livro em que o argumento é incorporado, a cada motor em que a caixa-preta é embutida, a sua propagação vai ocorrendo no tempo e no espaço.”(p.218)

Ao final da aula, Tamara expôs transparências com o conteúdo dos apêndices do livro.

APÊNDlCE 1
REGRAS METODOLÓGICAS

Regra l. Estudamos a ciência em ação, e não a ciência ou a tecnologia pronta; para isso, ou chegamos antes que fatos e máquinas se tenham transformado em caixas-pretas, ou acompanhamos as controvérsias que as reabrem.
(Introdução)

Regra 2. Para determinar a objetividade ou subjetividade de uma afirmação, a eficiência ou a perfeição de um mecanismo, não devemos procurar por suas qualidades intrínsecas, mas por todas as transformações que ele sofre depois, nas mãos dos outros. (Capítulo 1)

Regra 3. Como a solução de uma controvérsia é a causa da representação da Natureza, e não sua consequência, nunca podemos utilizar essa consequência, a Natureza, para explicar como e por que uma controvérsia foi resolvida. (Capítulo 2)

Regra 4. Como a resolução de uma controvérsia é a causa da estabilidade da sociedade, não podemos usar a sociedade para explicar como e por que uma controvérsia foi dirimida. Devemos considerar simetricamente os esforços para alistar recursos humanos e não-humanos. (Capítulo 3)

Regra 5. Com relação aquilo de que é feita a tecnociência, devemos permanecer tão indecisos quanto os vários atores que seguimos; sempre que se constrói um divisor entre interior e exterior, devemos estudar os dois lados simultaneamente e fazer urna lista (não importa se longa e heterogénea) daqueles que realmente trabalham (Capítulo 4)

Regra 6. Diante da acusação de irracionalidade, não olhamos para que regra da lógica foi infringida nem que estrutura social poderia explicar a distorção, mas sim para o ângulo e a direção do deslocamento do observador, bem como para a extensão da rede que assim está sendo construída. (Capítulo 5)

Regra 7. Antes de atribuir qualquer qualidade especial à mente ou ao método das pessoas, examinemos os muitos modos como às inscrições são coligidas, combinadas, interligadas e devolvidas. Só se alguma coisa ficar sem explicação depois do estudo da rede é que deveremos começar a falar em fatores cognitivos. (Capítulo 6)


APÊNDlCE 2
PRINCÍPIOS

Primeiro principio. O destino de fatos e máquinas está nas mãos dos consumidores finais; suas qualidades, portanto, é consequência, e não causa, de urna ação coletiva. (Capítulo 1)

Segundo princípio. Os cientistas e engenheiros falam em nome de novos aliados que conformaram e alistaram; representantes entre outros representantes, com esses recursos inesperados, fazem o fiel da balança de forças pender em seu favor. (Capítulo 2)

Terceiro princípio. Nunca somos postos diante da ciência, da tecnologia e da sociedade, mas sim diante de urna gama de associações mais fracas e mais fortes; portanto, entender o que
são fatos e máquinas é o mesmo que entender o que as pessoas são. (Capítulo 3)

Quarto princípio. Quanto mais esotérico o conteúdo da ciência e da tecnologia, mais elas se expandem externamente; portanto, "ciência e tecnologia" é apenas um subconjunto da tecnociência. (Capítulo 4)

Quinto princípio. A acusação de irracionalidade é sempre feita por alguém que está construindo uma rede em relação a outra pessoa que atravessa seu caminho; portanto, não há Grande Divisor entre mentes, mas apenas redes maiores ou menores. Os fatos duros não são regra, mas exceção, visto serem necessários em poucos casos para afastar um grande número de pessoas de seu caminho habitual. (Capítulo 5)

Sexto princípio. A história da tecnociência é, em grande parte, a história dos recursos espalhados ao longo das redes para acelerar a mobilidade, a fidedignidade, a combinação e a coesão dos traçados que possibilitam a ação a distancia.


Por Felipe Pontes

1 – Ciência na Periferia: a luz síncroton brasileira. Tese de Doutorado defendida no Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), por Marcelo Baumann Burgos. Ele trabalha atualmente na PUC-RJ.
Neste estudo, o autor faz uma construção histórica da intelligentsia brasileira, fundamentando sua exposição em autores já trabalhados nesta disciplina, como Merton, Manheim, Bloor, Latour, etc. O projeto da Luz Síncroton é um caso que ilustra essa construção histórica, visto que, na posição do autor, demonstra uma mudança no comportamento dos cientistas brasileiros. Fundamentalmente, estes ultrapassam as barreiras do mundo universitário e do patrocínio exclusivo do Estado para buscar apoio no mercado e na sociedade civil.

2 – A Vida de Laboratório: a produção dos fatos científicos. De Bruno Latour e Steve Woolgar.
Bruno Latour é francês, coordenou o Centro de Estudos da Inovação da École des Mines, em Paris. Teve várias formações (Sociologia, Antropologia, etc). Ele fez etnografia de tribos na África (Costa do Marfim), seguindo Marc Augé. Hoje leciona no Institut d´Études Politiques de Paris, na França, trabalhando na formação de cientistas políticos e administradores. Woolgar é um sociólogo britânico.
Esse livro alcançou muita notoriedade. Sua primeira edição é de 1979. É considerado o primeiro estudo antropológico em laboratório, publicado. Tendo por objeto o Instituto Salk, Latour resolveu aplicar a metodologia etnográfica para estudar a “tribo” dos cientistas. Totalmente estranho ao ambiente, passou dois anos observando suas práticas. Seu parceiro de pesquisa, Woolgar, participou sobretudo da redação final do texto.

O aspecto mais debatido em sala e visto como mais interessante foi a exposição metodológica do trabalho. Um dos problemas metodológicos trazidos é o da linguagem da obra. Como ler os fatos dos cientistas sem entrar totalmente na linguagem deles? Os autores assumem a etnometodologia, e colocam-se numa posição de distanciamento dos atores para não se tornarem reféns da argumentação dos cientistas.

Destaca-se, ainda no plano metodológico, a utilização do conceito de simetria do Programa Forte, tentando transpô-lo ou radicalizá-lo. A obra destaca o caráter social da ciência, mas preocupa-se em tentar entender os códigos esotéricos dessa atividade. A ciência para Latour seria mais do que seu aspecto cognitivo. Outro aspecto enfrentado é a cisão epistêmica das Ciências Humanas e Naturais, tomando-se como um desafio não separar sociedade e natureza, Sociologia e Ciência. O sociólogo da ciência pode e deve entrar na explicação das duas áreas, sem aceitar a oposição entre uma e outra.

Retornando à questão da linguagem no debate, destaca-se a frase: “Faça o que quiser, mas não faça da linguagem deles (os atores estudados) a sua metalinguagem”. O sociólogo da ciência deve ir contra a linguagem do informante e da própria sociologia. Seguir os atores, mas não reinterpretar os discursos desses atores (a partir de uma teoria), nem utilizar a linguagem de defesa deles. Segui-los, mantendo a distância.

Isso leva, necessariamente, a um trabalho descritivo. Uma boa descrição é um trabalho importante, uma vez que se torna ferramenta para pensar a ciência em construção, a ciência enquanto ela se faz. A ciência feita já passa a ser naturalizada, o que não interessa ao sociólogo. Quando estuda Pasteur, Latour retorna ao processo de construção da ciência para aquele pesquisador, focalizando as controvérsias de que foi objeto.

Quando se dirige ao laboratório, o sociólogo da ciência observa que existem várias salvaguardas antes de se chegar ao fim da experiência. Há vários atores responsáveis por observar, anotar e sistematizar todo o conhecimento sobre a natureza. Como ressaltou um colega da classe, o laboratório trabalha na prática para resolver um problema filosófico: a bifurcação da natureza, que precisa ser reinventada na experiência. É a tentativa de unir a natureza em seu próprio lócus à natureza experimentada no laboratório.

Outro aspecto metodológico destacado foi o da reflexividade, ou seja, tudo que um pesquisador da ciência disser sobre outra ciência será válido para a dele.
Posteriormente, a professora realizou um passeio pelos capítulos do livro. A cada capítulo os autores assumem um personagem metodológico diferente. Depois do primeiro capítulo de exposição do método, o capítulo 2 evidencia a prática etnográfica de anotar tudo. Seria a máxima de observar o laboratório como se observa uma tribo Bantu. Ou seja, colocando-se como total ignorante dos códigos, processos e dispositivos. O capítulo 3 é tratado por um historiador em guerra contra a Epistemologia. Para isso, faz a leitura de toda bibliografia sobre a enzima pesquisada, faz a história do objeto. Assim, verifica como foi sendo construído um fato importante a ser pesquisado. O capítulo 4 é trabalhado por um etnometodólogo atento à linguagem dos cientistas e que realiza uma micro-sociologia dos fatos. No capítulo 5, entra em cena o sociólogo mais clássico que possa existir. Trata do significado do capital científico e da credibilidade construída, bem como dos limites do reconhecimento. O capítulo 6 serve para reconciliar a “equipe” e trabalhar para fechar a questão da reflexividade. Na conclusão, os autores buscam a ordem criada a partir da desordem. O estudo não pode dizer que o trabalho dos cientistas sociais é superior ou inferior a nenhum outro. Em um sentido, não deixa de ser um tipo de ficção. “A única diferença é que os cientistas têm um laboratório”.
A professora também citou artigo de Latour “A referência circulante” no livro “A esperança de Pandora”. Nele, Latour segue pedólogos, biólogos e demais cientistas para descrever o sistema de referenciação do trabalho científico, ou seja, a produção técnica e científica que ajuda na classificação das coisas. Como transformar a natureza em palavras? A ciência traduz todo o trabalho de campo em palavras.

Outro caso citado foi o de Lissenko, como um exemplo de como a interferência de questões políticas e ideológicas é ruim para a ciência. No caso, Stalin apostou fundos em um pesquisador que considerava a genética ocidental algo burguês e que precisava ser abandonada pela política científica comunista. Isso se revelou um problema falso que causou grandes prejuízos à União Soviética.

Foi destacada também a necessidade de inscrever Latour na prática da etnografia para tentar compreendê-lo. A dificuldade em aplicar seu modo de estudo a outros objetos está na metodologia e não na teoria. Ainda que defenda realizar a extensão do laboratório para a compreensão da rede, Latour estuda o laboratório e não a rede.
Uma das críticas a Latour abordada em sala foi a do livro “Imposturas Intelectuais”, de Alan Sokal. A obra critica vários autores, inclusive Latour, denunciando pesquisas que não levariam a ciência a sério. Sokal indica um abuso de conceitos da ciência apropriados pela filosofia, principalmente por autores da Pós-Modernidade. Ele critica especialmente a linguagem de artigos e obras que fazem uma analogia incorreta entre ciências naturais e humanas. Nesse parêntesis, ficou destacado a pouca profundidade com que Sokal trata os autores criticados, tomando como exemplo a obra de Latour – criticado no livro de Sokal apenas a partir de um artigo.
“Dica” da Professora: o filme Medidas Extremas (com Harrison Ford), que mostra a questão do financiamento da pesquisa, envolvimento de laboratórios, etc.

3 – Ciência em Ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. De Bruno Latour.
A obra trata dos caminhos que a pesquisa toma (ou perde) para chegar a uma descoberta. Os fracassos e as crises. A apropriação que outros pesquisadores fazem do próprio instrumento de uma invenção (no caso do texto, foi descrito o caso do desenvolvimento o motor de Diesel).

É possível fazer ciência sozinho? Latour diz que não. São necessários aliados. O problema é como conseguir os aliados e como controlar as opiniões desses aliados. Como aceitar a ajuda, mas não perder o controle do que foi feito originalmente? Um risco é perder o crédito por ter feito ou ter tido a ideia para realizar aquele artefato, mas outro é não ter conseguido os aliados necessários para materializar a ideia.

Um dos conceitos principais trabalhados no livro é o de translação (tradução das ideias). Tem semelhança com o conceito de representação, próprio da Psicologia. A translação é a interpretação que uma pessoa tem de um determinado fato ou de uma determinada ideia. A partir disso, é preciso situar os termos e conceitos dentro de contextos que “aceitem” a translação feita (diz-se então que houve um alistamento). Todo conceito é uma tradução. E um conceito bom é aquele que convence.

O que seria o conhecimento para Latour? Em uma tentativa de resposta da professora e da turma, aceitou-se que o conhecimento não está escondido para ser descoberto. Ele é construído, negociado. Ele é aceito como conhecimento pelos outros. O conhecimento é acumulativo em parte, visto que há descartes. Por isso, o autor define estratégias essencialmente políticas de convencimento de outras pessoas e do controle das opiniões delas sobre determinado conceito ou artefato.

Uma ideia criticada em sala foi a de difusão. Por exemplo, a apropriação de tecnologia de países centrais por países periféricos leva a uma adaptação dos artefatos, construindo-se, praticamente outros. Os aliados é que vão definir as relações fortes e fracas. “Entender o que são fatos e máquinas é o mesmo que entender quem são as pessoas”. LATOUR, 2000, p. 232).

Uma ótima síntese do livro pode ser encontrada nos apêndices “As regras metodológicas” e “Princípios”.

Problema da teoria dele: cada caso é um caso. Cada Estudo de Caso não faz avançar tanto a teoria. Outro aspecto levantado por uma colega, é que se torna muito difícil limitar a rede. Como e onde seguir a rede? Latour ficaria obscuro no momento de aplicação. A professora defende que Latour traz importantes operantes para descrever o processo de produção da ciência.

Um colega destacou, por fim, outros livros de Latour: “Jamais fomos modernos” e “Políticas da Natureza”. Neles o autor trabalha questões importantes ligadas à epistemologia, à modernidade e ao estatuto da verdade.

2 comentários:

  1. Um ponto importante de ser destacado é a contribuição das investigações de Latour sobre a "produção dos fatos cientificos" no sentido de desmistificar a ciência com C maiúsculo.

    Ao propor-nos uma descrição da ciência "se fazendo", o autor ajuda a visualizar como os atores e agentes envolvidos vão se articulando em uma rede, buscando aliados através de processos de tradução/translação.

    Se ciência não se "joga" sozinho, é necessário uma articulação no sentido de envolver, seduzir outros sujeitos [possíveis aliados] para a produção do fato através de estratégias políticas de convencimento.

    A partir destas considerações, e conforme ja fora apontado em sala de aula, torna-se delicado falar de "difusão" técnica pois quando se tem sucesso na produção de um artefato, tal artefato já está difundido, ou seja, para tornar-se um artefato com sucesso ele precisa ter "adesão" da "sociedade".

    Assim Latour nos aponta como ciência, tecnica e sociedade não são entidades ou estâncias separadas: o ponto de analise esta nas redes [fortes ou fracas] e na produção de artefatos através do processo de tradução/translação.

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  2. A ideia de construão social do conhecimento faz questionar até a noção de "descoberta" científica, propagandeada, as vezes, como principal produto do meio científico.
    A "descoberta" poderia ser pensada, portando, como algo que já vem "pipocando" na Ciência, ficando evidente, de alguma forma, nesse meio. A anunciação da "descoberta" passa a ser, assim, algo negociado. A discussão, por exemplo, sobre a autoridade da produção (da descoberta) pode ser algo polêmico porque a produção científica se enriquece da própria produção científica. Então ficaria difícil de saber onde termina a contribição de um e começa a do outro. A noção de construção social do conhecimento seria o conceito que traduz esse processo social.

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