Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Relato da Sessão 11 - 3/11/10

Relato da Sessão 11 - Existem Acidentes Normais? A Banalização do Risco

Por Daniel Caon Alves

A partir do tema dos "riscos" relativos à tecnologia, esta aula teve dois momentos: o primeiro, em torno do texto Normal Accidents - living with high-risk technologies, de Charles Perrow, onde a análise em aula deteve-se na reflexão geral sobre a própria noção de risco; o segundo momento, como estudo de caso, girou em torno do acidente com o ônibus espacial estadunidense Challenger, ocorrido em 1986, tendo ainda como suporte um capítulo da obra O Golem à Solta: o que você deveria saber sobre tecnologia, de Harry Collins e Trevor Pinch, que analisa aquela tragédia ocorrida no programa espacial norte-americano.

A partir da tese de que o uso e a produção crescentes de tecnologia em nossas sociedades implicam na presença constante de um determinado fator de risco, a análise desses riscos envolve cada vez mais não apenas o isolamento de um elemento (erro humano, falha mecânica, condições ambientais/contextuais, design do sistema ou procedimentos - a partir da sigla em inglês “DEPOSE: design, equipment, procedures, operators and environment”), mas a consideração da inter-relação e da própria complexidade do sistema tecnológico em questão. Discutiu-se em aula a abrangente conceitualização de Perrow acerca da ordenação tecnológica, onde o autor procura dar conta de uma complexidade que dificulta o entendimento das causas de acidentes e dos graus de riscos inerentes a cada sistema tecnológico.

Em geral, esses sistemas apresentam interações que podem ser lineares ou complexas propriamente ditas, através de acoplamentos ("coupling") fortes ou fracos. Nesse sentido, o risco, e consequentemente, os acidentes, são normais não porque se espera que ocorram, mas porque são intrínsecos à própria disposição do sistema. Algo que exemplifica a questão é a própria redundância, isto é, a presença de subsistemas tecnológicos que garantam o funcionamento do sistema primário ou que o substituam em caso de alguma falha. Em virtude do nível de segurança buscado em cada caso, essa redundância, ao mesmo tempo em que supre uma necessidade de prevenção, ela própria pode gerar uma complexidade por demais arriscada para todo o empreendimento.

O estudo de caso realizado no segundo momento da aula ilustrou a discussão inicial. Em 28 de janeiro de 1986, a explosão do ônibus espacial Challenger, minutos após o seu lançamento, resultou na morte de toda sua tripulação e comoção social profunda nos Estados Unidos, uma vez que o evento estava sendo amplamente televisionado, especialmente em função de a missão contar, pela primeira vez, com um tripulante civil, no caso, uma professora que iria transmitir em rede nacional uma aula diretamente do espaço.

A grande questão que norteou o debate desse tema foi em torno da questão da responsabilidade sobre riscos tecnológicos, ou como foi fortemente suscitado a partir do acidente com a Challenger e em outros casos envolvendo a opinião pública, de se saber os culpados. Acompanhando a reflexão de Harry Collins e Trevor Pinch, com a contribuição da exibição de vídeos, reportagens e filmagens sobre a tragédia com a Challenger, um dos pontos mais importantes debatidos, após vários anos decorridos do acidente, é distinguir os fatores técnicos daqueles que envolveram a tomada de decisão, ou seja, um nível mais gerencial. Em função desse episódio em particular, onde o contexto sócio-político marcava fortemente os rumos do programa espacial estadunidense, logo surgiram afirmações de que a urgência motivada por questões políticas precipitou uma tomada de decisão acima dos riscos que se costuma dizer "necessários".

Porém, uma análise mais aprofundada oferecida pelos autores revelou como questões técnicas inerentes a uma empresa de tão alto risco como o lançamento de veículos espaciais tripulados são de difícil resolução por parte daqueles que se responsabilizam pelo seu controle. Assim, o conflito que houve entre os diferentes grupos de engenheiros acerca de testes e verificações, que se mostraram mais do que meros detalhes ou preciosismo, pode ilustrar que, para além do entorno político, havia impasses na própria instância técnica. Em outras palavras, dado o alto grau de precisão necessário e, ao mesmo tempo, a dificuldade de domínio dos fatores implicados, não havia acordo suficiente sobre até que ponto uma determinada peça teria condições aceitáveis para o projeto - para ficar só no exemplo dos anéis-em-O. Nesse sentido, o debate em aula demonstrou como a própria noção de "aceitável" pode ser bastante subjetiva, mesmo num campo tão "técnico" como a engenharia aeroespacial. Com a explosão da Challenger, muitos pontos de discussão acerca daquela missão que anteriormente talvez não fizessem sentido foram percebidos de outra forma já no contexto do acidente, entre elas, o risco representado por discordâncias e incertezas entre administradores e, especialmente, entre engenheiros.


Referências Bibliográficas

PERROW, Charles. Normal Accidents. Living with high-risk technologies. USA: Basic Books, 1984.

COLLINS, Harry e PINCH, Trevor. O Golem à Solta: o que você deveria saber sobre tecnologia. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.

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