Este blog visa reunir textos e comentários dos alunos da disciplina Sociologia da Ciência e da Técnica, oferecida no segundo semestre de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC, sob a coordenação da Profª Tamara Benakouche. A disciplina tem como objetivo analisar a produção da ciência e a inovação tecnológica como elementos centrais para o entendimento da dinâmica social moderna. Nesse sentido, visará o estudo de questões teóricas - colocadas por autores clássicos e contemporâneos - e práticas, postas por processos sócio-políticos mais recentes. Adotando a perspectiva construtivista, procurará desenvolver uma crítica a análises que sustentam a natureza apolítica da pesquisa científica e o determinismo da técnica, resgatando a importância de novas formas de cidadania científica e das redes sociotécnicas.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Relatos da Sessão 10 - 28/10/2010

Relatos da Sessão 10 – Riscos e reflexividade: o quanto é o suficientemente seguro?

Por Ana Carolina Cassiano

Nesta aula, começamos a discutir questões contemporâneas relacionadas à Sociologia da Ciência e da Técnica. Os riscos situam-se como um dos temas mais importantes quando se discute C e T hoje. O tema dos riscos passou a se tornar objeto de estudo das ciências sociais a partir da década de 1980. Até então, os riscos vinham sendo estudados por outras áreas do conhecimento em que predominavam análises técnico-quantitativas.

Ulrich Beck foi um dos teóricos que começou a discutir tal temática, pensando os riscos de forma mais ampla, em busca de uma “teoria social da modernidade”. Portanto, seu intuito ao estudar a temática é descrever características da sociedade contemporânea. Beck considera os riscos característicos da atual fase da modernidade – que chama de segunda modernidade – como sendo diferentes dos riscos que existiam na sociedade industrial. Enquanto estes últimos são possíveis de quantificação e de cálculos probabilísticos, os específicos do mundo contemporâneo não podem ser quantificados, dado seu caráter ainda mais incerto. Pelo papel definidor que os riscos agora adquiriram, esta fase da modernidade também é intitulada pelo autor de sociedade de risco.

Enquanto na primeira modernidade há uma confiança no progresso e na controlabilidade do desenvolvimento científico-tecnológico, na segunda modernidade o desenvolvimento técnico-científico não daria conta de controlar e prever os resultados dos riscos que ajudaram a criar. Estes seriam agora riscos de alta conseqüência, pois podem ser irreversíveis. Exemplo disso seriam riscos ecológicos, químicos e nucleares. Outra característica dos riscos da segunda modernidade que é ressaltada por Beck é que estes seriam “democráticos”: afetariam a todos, ultrapassando fronteiras de países e classes sociais.

Esta foi uma das principais dimensões que geraram críticas ao autor no debate em sala; afinal, os riscos seriam democráticos para quem? E onde? Ao diferenciar duas fases da modernidade, Beck obviamente não está pensando que há uma ruptura total entre aspectos existentes anteriormente. Mas ao propor que os riscos são democráticos, ele parece estar pensando em uma sociedade em que prevalecem características da segunda modernidade. Neste sentido, o autor parece ignorar que existem sociedades em que convivem aspectos destas duas fases da modernidade, nas quais as diferenças entre classes ainda são gritantes; isso poderia tornar alguns mais suscetíveis a certos riscos do que outros e, portanto, tais riscos não seriam tão democráticos assim. Alguns colegas sugeriram que talvez o autor tenha sido infeliz no uso deste termo, e que se tivesse utilizado apenas a ideia de estes riscos serem “universais” ou “globais” isso já seria satisfatório.

Anthony Giddens assume o conceito de risco proposto por Beck, concordando que os riscos de alta conseqüência – que acarretam implicações para grande número de pessoas – são característicos da atual fase da modernidade. Entretanto, em sua análise, Giddens acrescenta algumas dimensões a esta fase, à qual ele dá o nome de alta modernidade. Uma das características centrais apontadas pelo sociólogo inglês é que estaríamos agora vivendo as conseqüências da modernidade (justamente o título do livro em que se encontra o capítulo que lemos) e que a confiança nos sistemas peritos passou a ser reavaliada.

Estes sistemas seriam um tipo de mecanismo de desencaixe, mecanismos que deslocam as relações sociais de contextos específicos de interação e as recombinam por meio de grandes distâncias no tempo e no espaço. Os sistemas peritos colocam entre parênteses o tempo e o espaço, dispondo de conhecimento técnico que possui autoridade independentemente do público que faz uso dele. Isto implica em uma atitude de confiança em relação a estes sistemas. Para as pessoas leigas, a confiança nos sistemas peritos não depende de um domínio sobre o conhecimento que eles produzem, mas sim de uma forma de “fé” que se baseia na experiência de que estes sistemas, na maioria das vezes, funcionam da forma que é esperada que eles funcionem. Assim, o conceito de confiança é outra noção central no texto de Giddens.

Ao analisar as descontinuidades da história do desenvolvimento da modernidade, Giddens descreve características tanto da modernidade, quanto da tradição. No que se refere aos sistemas peritos, diferente do que ocorre em sociedades tradicionais, nas condições da modernidade, estes permeiam todos os aspectos da vida social, não se limitando a áreas de conhecimento tecnológico, mas estendendo-se às próprias relações sociais. Já a alta modernidade seria caracterizada pelo reconhecimento de que a ciência e a tecnologia têm dois gumes: ao mesmo tempo em que oferecem benefícios à humanidade, podem trazer novos riscos e perigos. Frente a isso, apesar dos sistemas peritos continuarem representando fontes de autoridade, o caráter mutável e muitas vezes controverso do conhecimento tecnocientífico encontra-se exposto ao público e, portanto, sujeito a um ceticismo generalizado por parte dos leigos.

Um conceito utilizado por Giddens e por Beck é o de reflexividade. Em Beck, reflexividade se refere à idéia de que na segunda modernidade estaríamos sofrendo os “reflexos” dos riscos desenvolvidos desde a primeira modernidade pela tecnociência – uma radicalização da modernidade. Já para Giddens, “a reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter” (1991, p. 45).

Além destes dois autores, também discutimos – embora brevemente – algumas ideias de Mary Douglas. A antropóloga inglesa foi uma das pioneiras nos estudos sobre riscos nas Ciências Sociais e uma das primeiras a criticar as análises técnicas sobre riscos. Em sua obra, destaca-se a ênfase no caráter cultural das definições de risco. A autora indica que muitas vezes as pessoas abrem mão de um risco por outro, pois consideram certos riscos enquanto prioritários dependendo da percepção cultural a seu respeito. Isto pode ser resumido na proposta de substituir a clássica questão em análises de riscos “how safe is safe enough?” (subtítulo de nossa aula) por “how safe is safe enough for this particular culture?”.

P.S.: Aproveito para enviar também alguns textos complementares, no caso, os artigos de Guivant comentados em sala e também um de Beck.

Beck, Ulrich. Vivir em la sociedade del riesgo mundial. Living in the World Risk Society. Barcelona: Fundació CIDOB, 2007.

Guivant, Julia S. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. In: Estudos Sociedade e Agricultura. n. 16, 2001, pp. 95-112.

Guivant, Julia S. A trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da teoria social. In: BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. v.46, 1998, pp. 3 - 38.

Por Rafael Matos

O dicionário Aurélio define a palavra risco como “perigo mais que possível, do que provável”. Já Luft a define como “perigo muito provável, iminente”. Definições tradicionais e que não mudam, mesmo com os recursos mais modernos que permitem a publicação de dicionários abertos a contribuições, como o Wikcionário, onde o substantivo risco é assim definido: “possibilidade dum acontecimento futuro incerto; perigo”. Ou seja os próprios recursos de web 2.0, expressados nas páginas Wiki (termo que significa a construção de conteúdos colaborativos), que podem ou não ser confiáveis, são um exemplo do “perigo possível” de publicação de informações, já que podem, ou não, ser incompatíveis com os termos a que se referem.

E é sobre esta percepção dos riscos, descobertas, aceitação, conhecimento, entre outras questões, que os textos estudados na Sessão 10 trouxeram argumentos para um debate sociológico. Ulrick Beck relata que o desenvolvimento da humanidade exigiu a produção de riscos. A ampliação do conhecimento tecnológico e científico também contribuiu para o estudo dos riscos e a percepção deles. Da mesma forma que a ciência teve e tem papel decisivo para o controle dos riscos e a descoberta de soluções.

A partir dos escritos de Beck também se discutiu que as pessoas abrem mão da segurança para ganhar alguma coisa. O conforto dos tempos modernos é acompanhado por riscos, mas como define o significado da palavra “são perigos possíveis, mas incertos”. Esta situação ficou exemplificada na fala de Manoel Avellaneda sobre uma comunidade na Índia, que queria a permanência de uma fábrica poluidora, já que ela também proporcionava mesa farta aos seus empregados.

No texto de Anthony Giddens são apresentados argumentos sobre as consequências da modernidade, que tem relação com a deterioração do meio ambiente e também da sociedade tradicional. Novamente aqui, surge a relação entre o conhecimento/informação e sobre o que isto representa, destacando-se o sentido da ação e a responsabilidade que têm os peritos e os leigos para minimizar os riscos.
Edson Jacinski fez uma relação com os riscos sociais e que ao sair de casa, o cidadão está sujeito também aos riscos da violência, que são 'mais possíveis do que prováveis'.

Pelas observações e discussões do grupo ficou a certeza de que a aceitação dos riscos, a busca de soluções e a evolução da modernidade passam pela capacidade que o indivíduo adquire de fazer escolhas. Porém, a redução dos riscos exige uma mudança de atitude. E será que a sociedade atual, cada vez mais individualizada e preocupada com o próprio quintal, está disposta a trocar o conforto do momento, por um futuro improvável, do qual o individuo de agora não fará parte?

Referências
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
LUFT, Celso P. Minidicionário Luft. São Paulo: Ática/Scipione, 7ª Edição.
Wikcionário. Risco. http://pt.wiktionary.org/wiki/risco. Acesso em 2 nov 2010.

5 comentários:

  1. Este blog está de altíssimo nível. Deveria servir de modelo para as outras disciplinas.

    Quanto à aula de amanhã, encontrei este vídeo com a cobertura jornalística de 1986 sobre o desastre da Challenger e achei fascinante. Vai o link: http://www.youtube.com/watch?v=Mr1TMyxArXk

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  2. Vou comentar com um pequeno relato da aula.
    Risco não é uma invenção moderna. Mesmo com a modernidade, industrialização, produção de riqueza, lucro e a necessidade de produção de risco.
    “Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos” (BECK, 2007). O risco já existia antes, porém, antes era muito mais visível, sensorial, agora as tecnologias nano e micro ficam retidas ao laboratório e vendidas envoltas por belas embalagens que seduzem consumidores. Não é um alarmismo, nem ativismo ou mesmo levantar bandeiras ideológicas, mas se ater a uma discussão de todas nossas pesquisas deve conter.

    (BECK, Ulrich. Sociedade do risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2010.)
    “Há relatos que no Tâmisa no século XIX morriam não afogados, mas intoxicados pelos vapores e gazes tóxicos dessa cloaca londrina. Também um passeio pelos becos estreitos de uma cidade medieval deveria ser o equivalente a ter o nariz açoitado. “Os excrementos acumulam-se por toda a parte, nas ruas, ao pé das cancelas, nas carruagens [...] As fachadas das casas parisienses são carcomidas pela urina [...] A constipação socialmente organizada ameaça envolver Paris inteira num processo de asquerosa dissolução”(A. Corbin, Berlin, 1984, p.41). É de se notar, porém, que as ameaças de então, à diferença das atuais, agastavam somente o nariz ou os olhos, sendo portanto sensorialmente perceptíveis, enquanto sobretudo na das fórmulas físico químicas (por exemplo, toxinas nos alimentos ou a ameaça nuclear). Naquela época, elas podiam ser atribuídas a uma subprovisão de tecnologia higiênica. Hoje, elas têm sua causa numa superprodução industrial” (p. 26).
    Sempre houve o risco, o que muda é a natureza dele. Hoje a gente produz sozinho o risco, de acordo com as demandas e retroalimentação consumista da própria sociedade. Muito se discute que risco é apenas conseqüência do desenvolvimento científico, e claro, já é esperado. O curioso é que as soluções dos problemas científicos e das técnicas que causam efeitos colaterais e riscos precisam de mais ciência.
    (01/de 2) Cristian Stassun

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  3. Outra discussão é que a noção de risco é temporal. Olhamos para as catástrofes do passado e as esquecemos. O sentido de futuro, de que a ameaça e risco virá daqui a 10 ou 50 anos, gera uma percepção sempre procrastinada de um risco que está sempre longe de acontecer. A significação temporal se baliza na questão espacial, em relação à distância do risco. Se ele não se encontra “no seu quintal”, onde também é visível, poucos se manifestam.
    "Risco recomendado é uma ficção científica". É uma noção democrática e cultural. *Mary Douglas (Risco e Cultura).
    Parece que nas últimas décadas ocorre uma nova entonação do risco, que muda essa noção de poluição na Europa do século passado aliada a localidade e alcance do risco. Agora é o risco para a vida humana, é global e é produzido em larga escala. O problema é manipulado muitas vezes, e somente, para quem se joga a culpa, e para onde ela está direcionada ou mirada, de forma que se foca Protocolos nos Estados Unidos, por exemplo, para encobrir a estrutura social devastada e poluente de outras partes do mundo. O caso da radiatividade na década de 80 teve esse papel.
    Uma postura, ou uma sociologia do culpado, que em partes encobre outros responsáveis. Se vivemos em rede nesta aldeia global, todos são culpados de alguma forma? Não somos nós os consumidores?
    Sempre foi mais fácil jogar para os outros as responsabilidades e se fixar no discurso de culpa do Estado, governo, por ser uma dimensão subjetiva. O Estado aceita tudo e nos tira a angústia de estar fazendo algo errado e ter responsabilidade de agir. O nosso espelho recebe com muito mais dificuldade as críticas.
    O que chama atenção é que os leigos delegam aos cientistas o poder de decidir sobre o que tem risco ou não. E os grandes laboratórios delegam a esses cientistas o valor de seus salários e a objetivação de desempenhar seu papel de criação para junto da fronteira do risco. Decidido o risco dos transgênicos ou das torres de celular, se democratiza a tecnologia e se espalha sem ressalvas o risco. A fronteira do risco é o efeito colateral que via de regra está destinado somente a minoria, há casos isolados.
    Cristian Stassun (02/ de 2)

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  4. Gostei dos relatos...que ajudam a refrescar a memória... Algumas questões me chamaram a atenção:

    Existem uma série de conceitos que agregam um feixe de problemas e que os diferentes autores dão sentidos diferentes ( algumas vezes dialogando com os autores que usam esse conceito e outras desconhecendo completamente outros sentidos...)
    A esse respeito, duas categorias conceituais polissêmicas me chamaram a atenção: reflexividade (Bordieu, Giddens e Beck) e modernidade (primeira e segunda modernidade – Beck; alta e baixa modernidade e, Bauman que ainda vamos falar se refere à modernidade sólida e líquida...). Se misturarmos a isso o debate mais amplo sobre pré- e pós-modernidade , as complicações aumentam... e, se pensarmos que essa seria uma categoria eurocêntrica que é problemática , quando tentamos aplicá-la à realidade dos países periféricos...

    Outra questão, que até salientei na aula passada (e está registrado no 2. relato) é que , ao falar em riscos, parecem que os autores , de algum modo, ainda continuam separando o “social” e o “técnico” (riscos técnicos e sociais... Assim, por exemplo, se entendermos que vivemos numa “sociedade tecnológica” não há como separarmos riscos sociais e técnicos.... Violência, miséria, analfabetismo (hoje se fala em analfabetismo tecnológico..) por exemplo, não são questões que dizem respeito apenas aos aspectos sociais.... assim como, saúde, alimentação, não são apenas questões tecnocientíficas...

    Por fim, outra questão é em relação à aplicação da categoria “campo social” e as suas correlatas (luta, capital simbólico,etc.) parece insufificente para entender por exemplo , o percurso do próprio Bordieu ou Latour: estariam eles apenas lutando por um “lugar ao sol acadêmico”?

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  5. Que legal!!! A participação finalmente está acontecendo (digo a virtual, porque a presencial vem sendo efetiva desde o início das aulas). E num nível excelente!!! Parabens aos comentaristas.

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